6 on 6 – Tempo, passagens, viagens, registros

O tempo e suas passagens, seja no outro ou em mim mesma. Gosto de pegar caixa com álbuns de fotografia e (re)ver o registro de vida que ali eternizou. Nelas, o tempo para. Exemplo disso são alguns flashes de mim mesma em várias situações ou momentos de puro lazer e descanso. Abaixo, quando ainda mantinha meus cabelos mais longos e escuros, curtindo o jardim da recente habitação. Não me cansava de admirar e cuidar dessas fitas da bananeira que hoje não mais existe. O jardim sim, elas não.

O tempo nos trás ensinamentos, crescimento e também sentimentos de pertencimento. Claro que nem sempre nessa ordem e nem sempre alcançamos eles, mas o registro sempre fica. O interesse e o prazer descobertos através do “botar a mão na massa” e transformar ingredientes numa gostosura para se degustar acompanhado de uma boa xícara de café ou chá, ao lado de quem amamos. Olhando a foto abaixo me deu vontade de fazer um pão caseiro. Esses ficaram tão saborosos e macios!

Escolher um tema, escrever sobre ele, acompanhar sua evolução e tê-lo pronto em mãos, é algo que mexe com o que há de melhor em nós. Somente quem escreve e publica sabe do que falo. Registrar esse momento de contemplação e recordar depois, é bom demais!

Viajar é uma atividade que pode dar certo trabalho e requer tempo para se planejar. Como me deixa feliz. Escolher o roteiro, sentir a expectativa do dia chegando, chegar ao local e desbravar. Ah…amo muito tudo isso!

E curtir cada local, cultura, momentos…

Se desligar dos problemas e responsabilidades do dia a dia nesse período de descanso e busca pelo novo restaura minhas energias gastas e o retorno é sempre leve. O ócio é necessário para restabelecer meu equilíbrio.

Ah como tenho ansiado por esses momentos e por um tempo para mim. Sair do cotidiano, desbravar novas paragens, conhecer outras culturas e pessoas. Conhecer um pouco mais de mim mesma. Necessito!

Esse texto faz parte do Projeto Fotográfico 6 on 6 e também faz parte da blogagem coletiva BEDA (Blog Every Day August). Estão comigo nessa deliciosa brincadeira séria:

Bob F. – Claudia Leonardi – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Fotos: acervo pessoal

B.E.D.A. – Viajar é…

Olhando centenas de fotos que guardo nas nuvens, procurava inspiração para escrever. Apreciar fotos, é viajar muitas vezes. Em momentos, em pessoas, em situações. Algumas que nos faz rir – outras -, nos emocionam.

Percorri anos vividos, através dos registros fotográficos. Fiquei frente a frente com uma Roseli desconhecida: cabelos compridos, escuros, aparelho nos dentes: uma estranha!

Pisei novamente em Lisboa, caminhei por ruas de Coimbra, Porto. A aventura que foi, subirmos o Escadório do Bom Jesus do Monte – na cidade de Braga. Sentir o suor escorrendo a cada lance de degraus alcançado. Dosar o salgado do suor com as muitas risadas ao lado do companheiro de muitas viagens.

Do calor de quarenta graus num verão lusitano de 2006, alcei voo e desci em Gramado, em pleno inverno. Percorrer suas ruas, cruzar com famílias protegidas por roupas quentes com seus cachecóis e luvas coloridos.

Fazer uma parada no Parque do Caracol, em Canela. Realizar um passeio de bondinho, sentindo o ar frio rasgando sua pele e sentir-se viva. Depois, aquecer-se tomando um chocolate quente na Casa da Velha Bruxa. Ah… sim, existe o paraíso na terra!

Peguei novo álbum de fotos e caminhei pelas dunas brancas de areia, na praia de Ponta Negra, em Natal. Cinco dias percorrendo essa beleza natural sozinha – em ótima companhia! Foi minha primeira aventura solitária, depois segui para o Rio de Janeiro e não parei mais.

A última viagem foi para João Pessoa, em 2019. Trouxe tantas recordações boas de lá. Lugares e pessoas que ganharam espaço em minhas lembranças. E uma vontade imensa de retornar quando puder.

Por hora, preciso me contentar em viajar dessa forma segura: através do olhar e dos sentimentos registrados nessas aventuras.

Participam dessa blogagem coletiva:

Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega

Imagem: Acervo pessoal

Bon voyage pour moi

Viajar e conhecer novas paisagens para mim é terapia. Assim como caminhar. Nas viagens, dou um tempo na persona que visto no dia a dia. Deixo de lado a mulher séria e preocupada com tantas questões cotidianas. Assumo o ser que sou: livre e simples .

Estou prestes a mais uma aventura fora de meu círculo diário. Um friozinho já conhecido se manifesta no meu centro . É bom sinal. Mala pronta, pontos turísticos delineados e anotados. No entanto, o que mais me atrai, apesar de minha aparente timidez, é conhecer pessoas.

Gosto de observar os diversos rostos anônimos que farão parte de meus dias turísticos. Ouvir diferentes sotaques é canção para meus ouvidos. Conhecer histórias locais, tomar consciência que há vida pulsante e saudável fora dos centros urbanos ao qual estou familiarizada.

Quando viajo, não gasto dinheiro comprando lembrancinhas para num futuro, recordar esses dias. O que trago nem pesa na mala. Posso até fazer uma brincadeira dizendo que o que vivi e presenciei, salvei nas nuvens. As fotos digitais até podem ser salvas por lá. Contudo, a vivência desses dias e as experiências gastronômicas, sensoriais e visuais – essas -, armazeno nas inúmeras gavetas de minha memória.

-Atenção, senhores passageiros com destino a…

É minha vez. Até o retorno leitores queridos. Quando por aqui aparecerei para compartilhar com vocês algumas situações que vale a pena registrar numa bela crônica.

Bon voyage pour moi! À bientôt!

Imagem licenciada: Shutterstock

Águas turbulentas

O sol escaldante mexe com o comportamento humano. Alguns ficam calientes no quesito sexual. Com a visualização constante de corpos ardentes, morenos e suados à vista, a vontade de copular aumenta sensivelmente. Outros, se deixam dominar pela doce moleza que a alta temperatura proporciona. Daí, só desejam deitar numa rede e, assim como Caymmi, curtir uma boa preguiça ouvindo uma suave música, fechar os olhos e se deixar levar pelo mundo dos sonhos

Outros tantos, irritados com temperaturas elevadas, tornam-se insuportáveis elevando sua temperatura interior a níveis desagradáveis para as demais pessoas com as quais convive.

Era o que acontecia com Dalila, Sofia, Lorena e Bernadete. Confinadas numa casa na praia Brava de Guaeca, São Sebastião. Toda aquela visão paradisíaca não encobria as tormentas que aconteciam no interior de cada uma delas.

Personalidades fortes, carregadas de fantasmas que as atormentavam desde sempre, pouco a pouco, seus espinhos se mostravam a cada hora vivida em conjunto, uma vez que se encontravam confinadas para um feriado prolongado. Teriam de se aguentar até que viessem buscá-las na data combinada.

Dalila, tímida que era, se esforçava para se adaptar ao convívio coletivo com estranhas. Sofia, a descontraída do grupo, já dava mostrar de ter se arrependido de vir na companhia delas a esse paraíso. Eram pesadas por demais!

Lorena, séria, metódica, preocupada por natureza não conseguia se descontrair e esquecer as tarefas cotidianas que deixara na cidade. Sua mente pensava o tempo todo nos afazeres deixados para trás. Desconhecia por completo a palavra desestressar. O tempo todo buscando deixar em ordem o quarto que dividia com Bernadete que era o seu oposto.

Bernadete, a mais jovem das quatro, era mimada, infantil, irresponsável e muito, mas muito irritável e irritante. Desorganizada que era, largava tudo pelo caminho deixando Lorena de cabelos em pé. A “Senhora Ordem” não sabia até quando aguentaria conviver com essa criatura insuportável.

Dalila permanecia observando o comportamento das demais e, por medo de se tornar desagradável, mantinha-se muda só concordando com a cabeça com o que as demais decidiam, Dava muito trabalho discordar e tentar impor sua forma de pensar e agir. No entanto, já ansiava por aquele feriado terminar e poder regressar para seu quarto, seus livros, sua vida.

Sofia já dava mostra de que sua carga de alegria sempre inabalável, se encontrava na reserva. Pensava consigo à noite na cama: “Onde fui amarrar meu burro? Mulheres mais sem sal e tempero! Não sabem aproveitar as boas coisas que a vida proporciona. Imagina, um paraíso feito esse e essas aí só sabem brigar entre si, cobrar uma da outra coisas tão pequenas. Não sabem o verdadeiro valor da alegria, não sabem usar a lente da leveza”.

Lorena ruminava os pensamentos: “Deus do céu, será que deixei as contas do açougue pagas? E a consulta com doutor Acary, puxa vida, precisava ter marcado. Não posso me esquecer de ligar para ele assim que chegar. Inferno de lugar que não tem internet. Poderia estar adiantando um monte de coisas por aqui. Mas paciência né? Quem mandou eu me meter nessa furada. Um dia aprendo. Ah! Se aprendo! Sair com desconhecidos nunca mais! Inferno, não aguento mais ouvir a voz dessa imbecil que velha, age e fala feito uma criança de quatro anos. Vontade de descer o sarrafo na bunda dela. Nunca deve ter apanhado de criança. Taí, o resultado de muitos mimos e nenhuma vara na bunda. Tornou-se essa criatura desagradável que ninguém aguenta. Senhor! E o pior é que se acha o umbigo do universo! Só ela é importante, só o que ela deseja é o que vale, só seus gostos se sobressaem… Não sei até quando vou aguentar dividir o mesmo espaço que ela”.

Os dias foram se arrastando e levando junto as boas maneiras que aprenderam no mundo civilizado. Em quatro dias de confinamento, já gritavam umas com as outras, jogavam o que viam pela frente, chutavam os móveis e choravam desesperadamente até dormirem vencidas pelo cansaço. Os dias seguintes, imperou um silêncio sepulcral entre as quatro. Só falavam o mais que necessário e não se olhavam. Até que no quinto dia, o céu desabou num temporal assustador tirando todas daquele mutismo. Olharam-se com real preocupação vendo que as janelas e portas daquela casa tremiam a cada trovão e relâmpago que caia. A força das águas era medonha. O céu parecia revoltado com a humanidade. Revoltado com elas, que não souberam se tolerar e não mereceram aquele pedaço de paraíso. O Senhor das Tempestades urrava sua ira com todas as forças. Em pouco tempo, as águas começaram a invadir a casa e levar tudo com elas. Assustadas, subiram para o andar de cima da casa e permaneceram juntas, agarradas umas as outras.

Pela primeira vez tinham algo em comum: o medo. E foi justamente através dele que todas se uniram para sobreviverem. Permaneceram em oração, de mãos dadas, pedindo ao Pai Poderoso que as amparassem e as salvassem daquela tormenta.

Após duas horas de chuva intensa, as águas foram se acalmando até se transformarem num chuvisco leve. O silêncio imperou naquele pedaço de terra.

Sofia, a mais tímida, pela primeira vez falou determinada:

– Tudo bem com todas? Olha, a tormenta se foi e precisamos de coragem para descer, ver os estragos feito pelas águas e tomar providências para a limpeza e ordem das coisas no lugar. Depois também precisamos ver como ficou a estrada que dá acesso ao barco que nos vira buscar e se constatarmos que ficou tudo danificado, daremos um jeito de pedir ajuda com sinais de S.O.S. ou coisa que o valha. Precisamos ficar unidas pelo menos agora por uma única questão: sobrevivência. Entenderam?

Todas se olharam desarmadas e concordaram com a cabeça. Após essa trégua, trabalharam muito para limpar o andar da casa que tinha sofrido muito. Limparam toda a sujeira, repuseram os móveis no lugar, jogaram fora o que se estragou, secaram tudo na medida do possível e, exaustas, sentaram no degrau na escada de entrada e em silêncio permaceram mais um pouco. Repunham suas energias e pensavam em tudo o que vivenciaram naqueles dias. A tormenta parecia se acalmar também em seus íntimos.

Bernadete foi a primeira a falar:

– Lorena, desculpa minha infantilidade. Não guarde raiva de mim não. Sei que sou horrível, um monstro mesmo. Não sei nem porque ainda vivo se todos me odeiam. Por favor, me perdoa!

Lorena permaneceu alguns minutos calada, de olhos baixos. Depois disse:

– Bernadete, você realmente é uma pessoa irritante, não nego. Mas também não sou uma pessoa fácil. Sou mandona por natureza, sou inflexível, metódica, tenho mania de organização e limpeza e costumo ser irredutível em minhas atitudes. Também sou considerada por muitos um monstro. E também possuo um fã clube considerável. Por favor, queira você também me perdoar. Ter dividido o quarto comigo esses dias também não deve ter sido nada fácil pra você.

Sofia que até então olhava para o lado contrário de onde as demais se encontravam, também se manifestou:

– Dalila, sua timidez excessiva me deixou muito incomodada por todos esses dias. A minha alegria de viver não encontrava eco em sua pessoa. Nada do que falava parecia tocar você, que sempre me olhava de soslaio e me respondia com seu pesado silêncio ou quando muito, com respostas baixas e lacônicas. Queria muito ouvir sua gargalhada alta e o máximo que conseguia extrair de você era um esboço tímido de sorriso sem dentes. Simplesmente me deixava agoniada! Sei que em minha alegria compulsiva de vida, não enxergava sua figura tímida e delicada. Talvez fosse só eu baixar um pouco minha taxa de adrenalina para me adequar a sua personalidade. Fui incapaz disso. Me perdoa?

Dalila, com seus doces olhos marejados, fungou um pouco antes de esboçar sua mansa voz:

– Sofia, eu é que devo pedir desculpas à você. Com tanta alegria de viver dentro de si, merecia ter como companhia alguém mais descontraída, mais extrovertida que eu, que não passo de uma sombra em vida. Pareço foto desbotada pelo tempo. Sempre te observava e admirava sua personalidade esfuziante. Queria ter um terço de sua alegria e descontração e um terço também de sua espontaneidade. Sempre admirei pessoas como você mas nunca consegui ser assim. Meu universo é introvertido, todo pra dentro de mim. Não consigo me soltar e expôr o que sinto aos outros. Sempre temo pelo que o outro vai pensar de mim. Por favor, me perdoa!

E dizendo isso, saiu de seu lugar e abraçou Sofia que, tocada pela sinceridade da companheira de quarto, se deixou levar pela emoção e ambas choraram juntas.

Tocadas pela mesma emoção, Bernadete e Lorena também se abraçaram e choraram juntas por alguns minutos. As lágrimas levando para longe todo estranhamento dos dias. Sentiam-se leves, perdoadas em sua pequenez humana, redimidas diante da vida.

Pela primeira vez, todas juntas fizeram a refeição e comeram juntas, sorridentes, felizes e leves. Pela primeira vez olhando-se nos olhos e enxergando a verdadeira essência de cada mulher ali presente.

Na data combinada, seu Orlando chegou com o barco para buscar o grupo feminino que havia trazido dias atrás.

– Bom dia senhoras e senhoritas! Tudo bem por aqui? A chuva fez muito estrago? Se assustaram muito?

Sorridentes entraram no barco e Dalila, que entrou por último disse:

– Seu Orlando, bendita chuva! Abençoada tempestade que chegou, lavou e levou tudo o que não prestava mais. Estamos bem graças a Deus e a essa boa chuva!

– Não tiveram medo? A tempestade foi das grandes. Até fiquei preocupado com vocês aqui sozinhas.

– Medo? Sim. No início tivemos muito mas muito medo mas depois, ela só nos trouxe alegria e leveza seu Orlando. Olha só como estamos voltando mais leves para casa. – comentou Sofia rindo gostosamente ao término de sua fala.

– Não me esquecerei jamais desses dias aqui seu Orlando. Foi realmente um divisor de águas em minha… Não, em nossas vidas! – disse Lorena também sorrindo e olhando a todas.

– Elas têm razão seu Orlando, esses dias mudaram nossas vidas. Definitivamente. Cheguei mimada e cheia das vontades e infantilidades. Saio hoje uma mulher madura e cheia de confiança em meu futuro. Santa água que caiu seu Orlando! – respondeu Bernadete olhando as demais companheiras e sorrindo com olhos marejados abraçou a todas dentro do barco.

Coçando a careca, seu Orlando nada entendendo do ocorrido entre as mulheres pensou por uns segundos:

“Mulheres! Vá entendê-las! Eu é que não!” – e sorrindo terminou de colocar as bagagens das agora “amigas” e deu início ao retorno a vida real. O paraíso ficando para trás e cada uma levando um pouco do tesouro que descobriram por lá.

O barco sumiu deixando ao longe uma paisagem que guardaria as obsessões de cada uma pra si.

O errado sou eu?

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Venho de uma geração que não vê motivação alguma para se fazer algo. Minha mãe vive me dizendo que sou um fracasso. Não estudo o suficiente, não a ajudo nos deveres de casa, não arrumo nem mesmo meu quarto, não faço amigos, não namoro. Diz que sou uma nulidade!

Meu pai engrossa o cordão dos que se sentem frustrados comigo. Por não torcer pro mesmo time dele, por nem gostar de futebol e sim de esportes mais “delicados” como costuma dizer. Pôxa! Só porque gosto de natação, esqui aquático, ginástica rítmica ele acha que sou viado!
Vive implicando também com meus gostos musicais: ele é roqueiro da turma das antigas. Curte demais o velho rock’n’roll como os dinossauros Beatles, Rollings Stones, Jeff Back, Led Zepellin e Cia. Eu, por meu lado, já curto mais o som de Greenday, Pearl Jam, Alice in Chain, Nirvana. Ele diz que esses moleques são muito deprês e que eu devia ouvir coisa melhor. Eu, sempre rebato que cada um, cada um, mas ele não me ouve. Acha que só seu gosto musical é bom e que todo o resto é lixo. Nem me dou ao luxo de replicar. Dá uma preguiça!

E falando em preguiça, essa é uma palavra que mais ouço quando estou na sua casa. Se ainda não falei pra vocês, falo agora: sou cria de uma família desfeita. Coisa mais comum na minha geração. No início da separação deles até que senti bastante, mas aos poucos fui me adaptando afinal, era melhor ter duas casas para ficar do que aguentar os velhos brigando e implicando um com o outro o tempo integral. Era um saco! Esqueciam que sempre estava presente e falavam cada coisa um para o outro! Melhor nem lembrar!

Hoje acho legal ter duas casas, pois tenho dois quartos totalmente equipados para mim e assim, fico sempre de boa. Aliás, é justamente esse “ficar de boa” é que tem incomodado meus pais. Mas o que posso fazer se a vida inteira Eles me criaram assim? E agora vem com essa cobrança sem graça!
Minha mãe vive dizendo pra mim que sou muito apático, sem iniciativa, que estou sempre cansado para tudo. O pior é que ela tem certa razão!
A vida em si é um cansaço só para mim. Não sei explicar mas não consigo achar graça nas coisas que a maioria acha. Prefiro ficar na minha, sozinho, de boa.

Meu pai vive me dizendo que já está na hora de pensar no futuro. E eu penso comigo: Futuro? Que futuro?
Sou tudo isso, mas uma coisa tem de bom. Pelo menos acho isso bom. Ou talvez nem seja tão bom. Sei lá.
Mas sou um cara muito antenado com o mundo através da telinha da net. Leio de um tudo. Notícias, resenhas de filmes, artigos sobre economia, conflitos, política…

E aí pergunto: do jeito que o mundo caminha com tantas guerras, desemprego, corrupção, dá pra se imaginar um futuro promissor? Acho que não. Pra mim nem vale a pena tentar. É pura perda de tempo e energia. Pra que se matar de estudar, fazer faculdade, batalhar por um emprego merreca com um salário de merda, acordar cedo todo dia, aguentar chefe medíocre e colegas idem? Pra que me matar para provar que sou melhor que os outros quando na realidade, estou no mesmo barco furado que toda a raça humana está?

Outro dia, na casa de meu tio Zeca, fuçando sua discografia descobri um grupo que já tinha ouvido falar, mas nunca tinha prestado atenção. Botei o bolachão pra rodar e comecei a ouvir o som. Primeiro o que me chamou a atenção e gostei, foi o instrumental. Forte, raivoso, irado! Bateria, guitarras, baixo. Mó som! Depois, aos poucos fui prestando atenção na letra da música e aí…Cara! parei! Fiquei ouvindo até o fim do disco e paralisei! As letras das músicas tem tudo a ver com meu estado de espírito!
A canção do senhor da guerra, Pais e filhos, Teatro dos vampiros, Que país é esse?, Geração Coca-Cola,…Cara, me identifiquei total!

Agora, ouvindo essas mesmas músicas e relembrando minha vida numa fita cinematográfica mental, reavalio o que fui na infância, na adolescência e agora, já maior de idade, assumo as rédeas de minha vida e sigo rumo ao meu destino. Se vai dar certo? Não tenho respostas. Vou quebrar a cara e ser mais um desempregado na Europa? Grandes possibilidades. Vou conhecer meu grande amor por lá? Não é má ideia. Voltarei pedindo arrego para meus pais? Qual o problema afinal, eles são minha referência de vida, meu porto seguro e sei que se precisar, é só chamar.

Agora me dão licença que o avião vai partir!

Férias

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Coisa típica de paulistano. Durante todo o ano, sonha com seus trinta dias de férias. Faz planos, cria roteiros de viagens, promete a si mesmo que vai se desligar de tudo e sumir no mundo. Pescar, acampar, pegar uma praia e mudar um pouco a cor branco/amarelo/desbotado/pálido de escritório por um bronzeado de causar inveja. Passar horas de bobeira em frente a televisão. Comer baldes de pipoca, ir ao cinema. Fazer um tour cultural pelos museus e teatros. Se divertir a valer no Hop Hari. Praticar esportes radicais em Brotas. Cair na noite, beber todas, galinhar. Sair do lugar comum. Ou, se o dinheiro der, uma esticada pela Europa e curtir o verão por lá. Tudo pronto, último dia de trabalho, euforia geral. Saída com direito a uma esticada num sambão regado a muita cerveja, música ao vivo e dançar pra espantar os demônios. Ou, se preferir, trazê-lo para mais perto para esquentar o início das férias.

Primeiros dias de total ócio é de um prazer infindável. Coisa boa! Acordar sem despertador. Não se preocupar em perder o ônibus das sete horas. Comer a hora que der vontade. Ficar o dia inteiro de pijama. Nem escovar cabelos, muito menos os dentes. Não tomar banho. Pra que? Não fiz nada o dia inteiro mesmo! Varar a madrugada navegando pela internet. Entrando e saindo de sites pornôs, assistindo filmes de sacanagem. Fazer palavras cruzadas. Botar o som de seus cantores prediletos no último volume e cantar junto pulando na cama feito doido. Em suma, voltar a ser criança.

Segunda semana de férias. Um dia você desperta e bate uma larica. Um tédio absurdo se instala em você.

Nada mais parece te agradar. Até as pessoas queridas te irritam. Televisão, cinema, parques, shoppings, cerveja com amigos. Nada mais tem graça. Se está viajando, dá uma vontade absurda de retornar. Se ficou em casa, pior ainda. A rotina familiar é arrasadora. Em nenhum ambiente da casa se está bem. Nem nas redes sociais se acha mais graça. Tudo é um grande tédio.E o grande tesão pelas férias começa a esfriar. Aliás, congelar. Pensamentos suicidas surgem do nada. Homicidas também. Um vazio se instala e cresce dia a dia transformando suas horas que eram para ser de puro lazer e deleite em pesadelo.

Na sua última semana de férias, o estresse está num patamar perigoso. Pra você e para os outros. Sua neurose atinge graus absurdos. Você está intolerável. Não suporta a presença de outro ser humano próximo a si. Não sabe mais o que é dormir bem. A insônia te faz ver fantasmas por todos os lados. Pânico. Passa a sofrer de taquicardia, suor frio, treme muito. Só tem um único pensamento fixo: o trabalho.

Noite do seu último dia de férias. Deitou mais cedo para engrenar seus horários que estão todos bagunçados. Precisa ter uma boa noite para acordar bem no dia seguinte afinal, amanhã retoma sua vida normal.

As horas passam lentamente. Você rola inúmeras vezes na cama e nada do sono chegar. Vai ao banheiro, mija, peida, caga. Volta para a cama. Rola mais vezes. Nada do sono chegar. Sente uma sede danada. Levanta, vai para a cozinha, bebe quatro copos de água. Volta para a cama. Rola mais três vezes. Tem câimbra na perna, xinga, chora baixinho, amaldiçoa a vida por ter tido as férias mais miseráveis do mundo. Que ódio! Olha as horas. Puta que pariu, três e quarenta da madrugada e nada do sono chegar. Que merda! Tenho que acordar as cinco e meia e ainda não consegui dormir nada! Rola mais duas vezes até que o sono te pega desprevenido e adormece.

TRIMMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!!!

Puta que pariu! Que susto porrah! Ai Meu Deus! Já cinco e meia! Tenho de me arrumar. Hoje retorno ao trabalho.

Que sono! O trânsito tá uma merda! Que saco essa vida de trabalhador! A gente não tem sossego mesmo!

Catraca da empresa. Oito e trinta.

Eh aí? Josué, Maurício, Tânia, Milena! Como foram de férias?

Todos em uníssono: Muito bemmmmmmmm!!!!!! E você?

Putz! As melhores férias da minha vida. Sensacional!