A cidade se mostra bela e mágica através de minha janela no décimo quinto andar.
É noite. Meu relógio digital informa que são 24h45. Cansei de rolar na cama e não conseguir pregar os olhos. Sinto-me inquieta. Peguei o livro do Caio Fernando Abreu – Morangos Mofados – um de meus preferidos, mas não rolou leitura. Meus olhos insistem em deslizar pelas inúmeras palavras e frases sem fixar em nenhuma. Fecho e pego o de Luís Fernando Veríssimo. Orgias. Quem sabe esse, sendo uma leitura mais leve me prenda a atenção.
Nada.
Deixo esse também de lado e ligo a TV. Zapeio por todos os canais e acho tudo banal.
Desligo.
Pego meu note e resolvo navegar um pouco no Face, ver o que a galera anda postando…
Eca! Quanta futilidade! Quanta asneira!
Desligo também.
É onde decido levantar e perambular pelo apartamento. Vou à cozinha, abro a geladeira rastreio o que ela contém. Tomo um copo de suco de maracujá. Quem sabe ele me dê sono.
Pego um cacho de uvas e sigo para a sala. Saboreando uva por uva, deixo meus pensamentos soltos seguirem seu rumo.
…E eles sempre retornam a você. Meu Deus! Por quê?
Já se passaram três anos desde nossa separação e ainda sinto-me presa, refém de seu amor, de seu tesão, de sua tensão…de sua atenção!
Nesses três anos, te busquei em muitos corpos. Alguns mais velhos outros mais jovens e sarados, outros disformes. Procurei-te até mesmo em corpos femininos tentando reencontrar aquela paixão que um dia recebi de você. Não posso reclamar. Encontrei muito carinho de mulheres até bem interessantes. Dos homens recebi noites calientes, presentes preciosos, declarações e até mesmo um pedido de casamento. Não vou negar que tudo isso me deixou lisonjeada!
Mas não vinha de você. Não era você.
O tempo passou, segui minha vida sem sua presença, mas sempre com ela presente. Mudei de emprego. Lembra que vivia reclamando e você sempre dizendo: toma coragem e muda! Saia da mesmice busque coisa melhor porque você tem competência para isso. Não se contente com tão pouco! Você é talentosa menina!
Pois então. Segui seus conselhos, criei coragem e mudei radicalmente minha vida. Diariamente agradeço a você em pensamento por ter me dado essa força.
Está vendo só como você tem um peso imenso em minha vida?
Com você fui e me tornei uma mulher plena, realizada, total. Por você me transformei nessa leoa que a tudo enfrenta sem oscilar diante dos fatos nem das situações.
Junto de você aprendi jogos sexuais que nem imaginava existir e o prazer que vem de brinde nisso foi algo que só você acrescentou.
A seu lado minha vida ganhou pinceladas de cores vibrantes, minha trajetória de vida enriqueceu, minhas experiências se multiplicaram.
Acompanhando-te, ganhei um frescor em minhas faces que já se encontravam envelhecido precocemente. Você foi meu melhor tratamento anti-idade!
Meu corpo, endurecido pela falta de exercício de vida, ganhou agilidade, leveza, curvas que só mesmo você poderia ter me proporcionado. O sexo entre nós era tão intenso que nem precisei de academia. Fiquei em forma e feliz!
Mas, como tudo nessa vida é passageiro, sua presença também teve prazo de validade. Primeiro você foi esfriando pouco a pouco comigo. Pensei: Ah! Deve ser porque a rotina nos leva a assentar e aí o relacionamento entra nessa fase pós-paixão. Depois, você passou a implicar com tudo aquilo que antes era motivo de elogios e mimos. Em pouco tempo, de mulher deliciosa e interessante passei a megera burra, pois não entendia seu raciocínio de macho Alfa.
Então vieram as outras. Casos esporádicos, relacionamentos fast que te saciavam de início, mas logo voltava a cair na eterna insatisfação. E eu, calada sempre recolhendo seus cacos.
Curando-te e fortalecendo com meu infinito amor.
Até que algo acima de minhas forças te levou de vez! Por mais que tenha lutado para te manter a meu lado, não pude competir com ela que chegou sem mandar aviso e te levou mesmo contra nossa vontade. Eu, de minha parte não podia imaginar minha vida sem você.
Você por outro lado, antevia sua vida longe de mim, conquistando outras mulheres, outros corpos, outras sensações, mas também não teve como fugir dela. Foi implacável!
Numa manhã ensolarada, exatamente como você gostava, ela te visitou e mansamente te abraçou e o levou para uma viagem sem regresso. Você foi. Calmo, silencioso, resignado.
Em seu enterro, senti-me anestesiada e participando de um sonho. Um horrível sonho! Tinha certeza que ao retornar à minha casa, dormiria e ao acordar, veria que fora somente um pesadelo. Acordei. Não foi um sonho.
E agora, com os olhos embaçados pelas lágrimas saudosas, escrevo essa missiva como forma de canalizar o que vivemos e enviar onde você estiver. Desejo de coração que sua essência se encontre em algum lugar do universo. Receba meu querido o sentimento mais profundo e o pensamento que não se cala em minha alma. E tomando licença poética/literária da escritora portuguesa que tanto lemos e tanto discutimos naquelas noites regadas à vinho, faço das palavras de Inês Pedrosa, as minhas que também levarei para o túmulo:
“…Porque te escolho, nesse sussurro sem retorno? Porque te quero no meu sono, se iluminaste sobretudo o que não fui? Morreste-me antes que eu morresse – e não consigo morrer sem ti. Nunca consegui. Todos os dias de minha vida estive com você…
…Enumero as leis termodinâmicas da tua ausência…
Fazes-me falta! “