É preciso estar atento e forte…

Final da tarde de ontem, a caminho do metrô, presenciei uma das cenas mais bizarras e triste. Caminhava tranquila após um dia de trabalho exaustivo quando observei uma ação que chamou minha atenção e de todos que por ali circulavam. Um jovem casal passeava com seu cãozinho quando, de repente, sua dona vociferou contra uma senhora de meia idade que passava. Não contente, a moça iniciou um surto entre gritos, agressão física que foi impedida pelo companheiro que a todo custo tentava contê-la sem obter muito sucesso. A jovem gritava: Sua vaca, você chutou meu cãozinho! A senhora, acuada, tentava sair do campo de ataque e aos poucos, os pedestres e pessoas do comércio local formaram uma rede de proteção tentando trazer a moça à razão. Os mais assustados pelo que observei foram a senhora, vítima do ataque e o próprio cãozinho que preso à coleira, também estava sendo vítima. Em seu surto, ela segurando a coleira, empurrava o cãozinho pra lá e pra cá deixando-o confuso. Lamentei e prossegui antes que sobrasse para mim também.

Ao chegar a estação do metrô, logo que passei a catraca e estava prestes a descer a escada, um funcionário do metrô abordava um usuário sobre o uso da máscara. O rapaz dizia que não tinha máscara e aí começou outra cena de descontrole. Outro rapaz interviu e aí o funcionário perdeu de vez o controle. Aiaiai! Pensei comigo, outra cena. Isso já está começando a banalizar e isso não pode se tornar uma constante.

Mais tarde, na saída do prédio onde faço pilates, eis que outra cena de descontrole emocional. Agora, um homem de cerca de seus quarenta/cinquenta anos, esbravejando aparentemente com um inimigo oculto. Compreendo que todos passamos por momento de muito desgaste físico e mental devido a todo quadro econômico e de saúde pública que vivenciamos desde 2020. Famílias inteiras tentam infrutiferamente administrar perdas humanas e materiais. Mais que isso, a perda da dignidade tem ganho terreno em meio a miséria. Testemunhar o descontrole emocional de um ser humano, está cada dia mais comum em nosso cotidiano. Infelizmente. E isso, nós que ainda mantemos um pouco do equilíbrio mental/emocional, precisamos cuidar para que essa não seja nossa próxima pandemia.

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B.E.D.A. – Malhando o ferro (da vida)

Parou para pensar no quanto maltratamos nosso corpo diariamente?

Venho passando por um turbilhão de emoções há algum tempo. Percorro uma verdadeira montanha russa. Ora estou no alto, ora descendo ladeira numa velocidade absurda tirando-me do prumo da razão. Os sentimentos pululam feito pipoca estourando na panela. Os hormônios a mil transformando a saúde num samba do crioulo doido. Não sabendo lidar bem com isso tudo e ainda por cima, vivendo no piloto automático, passei alguns anos de forma desiquilibrada. Sentia-me frustrada, melindrada, magoada com muitas pessoas. Toda essa mistura exótica não podia dar em outra coisa: o corpo registrou tudo e se ressentiu.

A princípio foi a gastrite que se manifestou nocauteando-me diariamente. Em seguida, a vítima da vez foi a coluna.

A estrutura complexa que me sustenta, pouco a pouco foi comprometida. Dores intensas ao final de cada tarde. Tiravam o sossego e o humor. Quanto mais mau humorada ficava, mais dor sentia. Quanto mais dor sentia, mais irritada. Fui girando os dias, meses, anos de uma vida mal resolvida, pouco aproveitada, mal elaborada.

Na sequência, meu sono foi afetado pilhando mais causando uma falta de energia absurda.

Meus cabelos, antes eram sedosos, tornaram-se opacos. Minha pele sem viço algum envelheceu. Minhas unhas, ficaram fracas, onduladas, cheia de estrias e com uma cor amarelada.

Até a dentição foi afetada. Talvez, devido à rigidez enquanto dormia, se desalinharam modificando a mordedura modificando meu perfil. Parecia um buldogue com a arcada inferior impulsionada para frente transformando minha expressão numa constante máscara de tristeza e braveza.

O espelho, antes meu aliado, tornou-se inimigo declarado. Fugia deles o quanto podia. Não me agradava a visão do agora.

A situação se complicou, quando o intestino deixou de funcionar. Greve geral. Literalmente fiquei enfezada!

Pane geral na máquina. Desaguei num choro sentido, ardido. Expurguei tristezas passadas, perdas, planos frustrados, sonhos não realizados, amores não correspondidos, amizades falsas, trabalho monótono. Vida desperdiçada.

Encontrava-me no subsolo do fundo do poço, esquina com o inferno, travessa do purgatório em plena vida errante!

Ou continuava a sentir pena de mim mesma ou dava um jeito de virar o jogo. E logo! Não tinha muito tempo a perder. Não mais!

Foi a decisão mais difícil, suada, necessária. A mais sábia que tomei em toda minha vida. Percebi que tinha de buscar ajuda externa. Sozinha não conseguiria sair desse lodaçal em que me enfiei.

Como foi penoso encarar meu orgulho besta de se achar forte para resolver tudo.

Tomei a decisão certa. Procurei um terapeuta para ajudar a reconstruir um ser humano destroçado.

Não foi fácil. Tive momentos de pensar em desistir de tudo, de achar que era dinheiro jogado fora.

Hoje, vejo o quanto aprendi a me olhar com mais carinho e respeito. O trabalho de reconstrução é árduo, penoso. Trazemos um lado B, que nos envergonha, nos angustia.

Ficar tête-a-tête com nossa pequenez, nossas neuras, incomoda. Ao me conhecer melhor, até isso passei a gostar e a olhar com mais compreensão.

Tive uma pequena recaída que custou caro. O “engolir sapos” que não deveria fazer parte de minha dieta alimentar gerou um desarranjo absurdo no organismo. Passei mal de madrugada. Vomitei tudo, inclusive a vida que vinha levando. Suei bastante. Desidratei. Chorei até não restar mais líquido para derramar.

Não aguentando mais, pedi socorro à minha psicóloga. No auge de meu desespero, ela tranquilamente disse que não valia a pena carregar defunto nas costas. Refleti o resto da madrugada. Dormi.

Ao acordar, ainda com muitas dores, decidi que não queria mais sofrer. Dei um basta.

Procurei um massagista que me alinhou o esqueleto alquebrado. Trabalhou as energias que se encontravam estagnadas em determinados pontos do corpo.

Literalmente me senti um ferro malhado no fogo. A massagem, em muitos pontos, foi extremamente dolorosa. Ao término, levantei sem dificuldades, sentia-me leve.

Durante a massagem, em pensamento, malhava o espírito conversando internamente comigo. Olhei com carinho para minha essência, pedi desculpas por maltratá-la tanto. Fizemos as pazes. A energia mudou. Visualizei aquela nuvem preta que insistia em pairar acima de minha cabeça se diluir.

Ainda terei momentos de fraqueza, onde tornarei a descarregar no corpo todas as negatividades da vida. A conscientização é grande. O carinho e respeito por mim é uma realidade da qual não pretendo abri mão.

A crise cessou. O aprendizado é constante. A evolução é inevitável.

Esse texto, escrevi em meados de 2015 quando realmente fiz terapia psicanalítica.

Participam dessa blogagem coletiva:

Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega

Imagem gratuita: Dreamstime

B.E.D.A. – Descarte

Quem me vê sentada trabalhando calada, não imagina o mecanismo que aciono.

Agora, me encontro sentada, cercada por livros retirando suas etiquetas. Dobro-as ao meio, sem pressa, jogando no cesto de lixo. Vou empilhando um a um, cada livro que sofreu desbaste e seguirá para reciclagem.

Alguns livros, seleciono e separo numa outra pilha. A esses, darei a chance de ficarem no acervo por mais um tempo.

Quem me vê nessa tarefa mecânica, pode pensar que eu me sinto enfastiada. Aos olhos da maioria, essa tarefa é sem graça.

Para mim não. É significativa. Abrange muito mais que os velhos e surrados livros que descarto.

Enquanto atuo, processo interiormente, outra tarefa. Essa de mais valia.

No manuseio dos livros velhos, faço outro tipo de descarte: de pessoas, atitudes, posturas.

De tempos em tempos, essa tarefa é necessária. Os espaços em nossos arquivos pessoais vão ficando apertados, empilhados, desorganizados. Isso nos causa sensação de angústia. Sabe aquele famoso aperto no coração? São excessos de gente desnecessária em nossas vidas, sentimentos exacerbados, encruados, atitudes erradas. Aos poucos, ocupam espaço precioso impedindo que o bem estar finque moradia.

Enquanto descarto o livro A declaração universal dos direitos humanos, analiso se meus direitos estão sendo violados, desrespeitados, pisoteados. Estão.

Pondero para ver o que causa tais sensações. Constato que a bola da vez é você.

É, meu caro, você se encontra na berlinda há tempos. Já esteve na fila do descarte em outras ocasiões. Caridosa que sou, te deixei “dormindo” na prateleira das repescagens.

Observo o seu descompasso comigo, nos últimos anos. Faz tempo que não caminhamos juntos, não acompanha nem reconhece mais minhas notas musicais.

Tornou-se um péssimo dançarino!

Na prateleira das emoções, olho analiticamente sua lombada que já não me atrai. Desbotou com o tempo, feito seus cabelos, que outrora reluzia entre meus dedos. Folheio sua história. Verifico que sua página de rosto se encontra rasurada, seu nome quase apagado. Talvez por culpa minha mesmo que tanto o acariciei. Suas palavras caíram em desuso, feito língua morta. Tornaram-se arcaicas. Nem mesmo seus poemas que tanto me emocionou um dia, hoje parecem rimas de colegial.

Não se culpe! Fui eu que mudei nessas minhas andanças biblioteconômicas.

Foi opção sua permanecer estático. Inquieta, sigo adiante. Tenho sede de novidades.

Participam dessa blogagem coletiva:

Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega

Imagem: Acervo próprio

O divã não é confortável mas, fundamental

Desde que nascemos, somos colocados em “formas”, através de convenções que moldam a família e a comunidade ao qual pertencemos. É nosso primeiro grilhão.

Ao longo de nossa existência, muitas outras surgirão. Na maioria das vezes, nem percebemos elas a nos prender e impedir que alcemos voos.

O conforto que representam nos cegam diante da verdadeira razão. Tais grilhões utilizam do ilusionismo para nos manter cativos. E assim a vida passa e chegamos num ponto em que sentimos sufocar e nem sabemos o porquê. É onde esse “sufocar” se manifesta no físico através de diversas fobias ou, através de AVCs e infarto.

Pode parecer exagero de minha parte mas tudo tem relação.

Na maioria das vezes, precisamos recorrer à terapia para descobrir o que causa sofrimento e paralisia diante das situações.

Tive uma passagem em minha vida: passei a tropeçar e cair a todo momento. Era constrangedor além de dolorido. Passava por situações incômodas e sentia carregar o planeta nas costas. Em uma semana, cai dez vezes. Pode isso? Foi quando uma conhecida, terapeuta corporal, me procurou e esclareceu que algumas emoções negativas refletem em nossa saúde física. Essa conversa abriu meus olhos para resolver as inquietações que trazia sufocadas em meu inconsciente.

Já frequentei divã e essa experiência me ajudou a reconhecer e resolver algumas questões que incomodavam mas não sabia como resolver. Já de antemão, digo que não é fácil. Algumas vezes quis sumir e nunca mais aparecer no consultório. No entanto, valeu a persistência em encarar meus demônios. Ainda não eliminei todos. Sobrou alguns mais difíceis de abandonar a moradia.

Penso que assim que der, retorne à ele afinal, como seres em constante evolução, nada mais natural que se busque ajuda quando não conseguimos resolver sozinhos. E nunca, nunca é tarde para tentar melhorar. O ser humano não nasceu para sofrer.

Imagem licenciada: Shutterstock

Me acabo no Blues

blues

Com o som nas alturas, mergulho de cabeça na canção que traduz meu estado emocional.

My Melancholy blues…Na voz potente de Freddie Mercury…

Trago com a alma, a fumaça do cigarro que nunca fumei mas, que por hora, minha atormentada alma solicita. Assim como a canção que mexe com cada molécula do meu ser.

And meet my melancholy blues… O piano num acorde “The end” na canção, inspira em mim mais uma tragada e uma vontade imensa de aspirar a vida com tudo o que ela me brinda.

Tenho andado assim nos últimos dias. Choro a todo momento, diante de cada cena que presencio no cotidiano. Tudo me emociona.

Porra de coração amolecido que tenho!!!

Às vezes praguejo esse meu modo de ser. Por outro lado, não seria escritora se não tivesse esse lado melancólico. É ele que tempera meu ser para que penetre fundo nas emoções e retorne cheia de histórias para contar.

É na companhia dela que tomo coragem para encarar minhas neuras, meu lado B, minhas vergonhas transformando-as em literatura. Ficam bonitas até!

É encarnando-a que tenho olhos para enxergar o quanto a vida nos presenteia diariamente com belezas traduzidas em afago de mãe, carinho de filha, chamego de um amor qualquer.

Ela, a melancolia, é uma ilha que permanece lá no fundo de minhas entranhas e que, volta e meia, regresso para banhar-me e beber de sua sabedoria retornando à superfície da vida com fôlego para encarar compromissos assumidos.

Interessante como é também através dela que conheci muitos autores que beberam de sua seiva. Pessoa, Lispector, Espanca, Cecilia Meireles, Virginia Woolf. Esses só pra citar alguns. Foram tantos nessa minha vida de leitora.

Aprendi muito com todos eles. Isso não significa que faço aqui uma apologia à depressão. Não mesmo!

No entanto, tenho absoluta certeza que, se estiver totalmente de boa, farei tudo  menos adentrar os meandros das emoções para escrever.

Mantenho-me submersa, de forma consciente, nas águas turbulentas e mornas da melancolia. Maestro, aumenta o som do Blues!

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