Desde pequena, preferia a natureza aos humanos. Os adultos eram complicados e as crianças, idiotizadas. Na família, era tida como a caçula esquisita. Trocava qualquer brincadeira para ficar na companhia das galinhas e patos do terreiro, dos gatos vagabundos da vizinhança, dos cães de rua. No entanto, sua companhia preferida eram as plantas.
Sentia imensa alegria ao acompanhar o crescimento delas em vasos, horta e pomar. Traçava diálogos longos e animados com as margaridas do jardim, avencas, jiboias, lírios da paz. Era íntima das hortaliças. Ouvia com muita atenção as reclamações do pé de tomates, surpreendia-se com as confissões dos alfaces, as fofocas do pé de chuchu que adorava se esparramar contando tudo em detalhes.
Ao término de cada dia, permanecia petrificada admirando o pôr do sol. Aquela bola de fogo no céu a estasiava. Não cansava de assistir ao bonito espetáculo.
Seu sofrimento tornou-se constante ao ingressar na escola. As crianças mostraram diariamente o quanto podem ser más. Todo dia, uma brincadeira nova para humilhar a tal da “esquisitinha caipira”. Sua dor emocional começou a se manifestar em seu corpinho franzino. Brotoejas, resfriados, febre, noites mal dormidas, perda de apetite.
Retornava para casa e se refugiava em meio a plantação onde, entre lágrimas, expunha para suas companheiras seu drama.
Seus pais, preocupados, passavam as noites discutindo o que fazer sobre o comportamento da pobre menina. Sua mãe, amorosa, dizia que tinham que ter paciência com a pequena. Era de todos, a mais sensível. Seu pai, homem rude, discordava. Para ele, só mesmo uma boa sova resolve mimos. Caso não melhorasse, ele ameaçava retirá-la da escola. Afinal, pra que tanto estudo para uma menina? Melhor trabalhar sua personalidade para os afazeres de casa.
Em pouco tempo sua ameaça se concretizou. Ao contrário de receber como castigo, a pobrezinha agradeceu imensamente a bondade do pai em dar por encerrado seu sofrimento. Jurou que nunca mais entraria em uma escola. Agradeceu também, junto ao pé de café, as orações que suas companheiras da flora fizeram, intercedendo por ela.
As folhas do calendário foram rolando uma a uma até chegar ao aniversário de dezoito anos. Aquela mirrada criança se transformou em uma bela moça. Uma beleza sem retoques artificiais. Cuidava dos afazeres domésticos com sorriso sempre presente no rosto que agora, adquirira cor pois passava horas ao sol, lavando, estendendo roupas no varal, levando comida aos porcos, galinhas, patos. Aguando a plantação.
Muitos pretendentes surgiram no entanto, nenhum despertava seu interesse. Seus irmãos foram se casando e mudando nas proximidades. Ela, firme na convicção de que não desejava casar com ninguém. Sua mãe apenas acenava com a cabeça e pensava: Nem todas vieram para casamento. Ela será nosso amparo na velhice. Confio em sua bondade.
Novas folhas do calendário rolaram. Muitas estações mudaram encerrando seus ciclos naturais. Agora, aos trinta e cinco anos, quase nada mudou em sua rotina. Alguns fios de cabelo branco surgiram em sua vasta cabeleira que mantém arrumado num coque. Ganhou alguns quilos que – ao contrário de suas irmãs agora mães -, trouxe-lhe sensualidade. O trabalho pesado fortaleceu sua musculatura. Ganhou pernas e braços torneados, belos. As rugas ao redor dos olhos e boca não a envelheceram, trouxeram-lhe uma aura de sabedoria. Aprendeu a arte e os benefícios medicinais das plantas e agora, recebe mães com suas crianças para benzer e passar medicações que a natureza oferece. Transformou-se numa guardiã e estudiosa das ervas.
Outro hábito adquirido com o passar dos anos, foi permanecer nua em seu quarto. Sentia-se integrada à natureza. Sabia ser parte dela. Como as demais pessoas jamais aceitariam tal comportamento, confina-se em seu espaço após a labuta e, toda tarde, antes do sol se pôr, desnuda-se, deita ao chão próximo da janela que, para seu deleite, é grande, e passa as horas finais do dia sentindo-se abraçada pelo calor. Despede-se dele como quem se despede do amante. Com olhar de quem deseja mais e mais. Hoje, pela primeira vez, sentiu algo diferente. Enquanto tomava seu banho de sol, mantendo os olhos fechados, ouviu uma voz masculina pedindo para que abrisse as pernas. Mesmo estranhando, obedeceu. Aos poucos, o calor do sol envolveu seu botão ainda intocável. Delicadamente, desabrochou abrindo-se.
Inexperiente, assustou-se querendo fechar as pernas contudo, a voz novamente disse-lhe: Não meu amor, confie em mim. Quero te fazer mulher e feliz. Relaxe e deixe-me penetrá-la. Desejo te conhecer por dentro também.
Entre contorções que a princípio foram suaves até o espasmo e o grito de prazer intenso, sua primeira experiência sexual foi na companhia desse, que se tornaria seu companheiro até a hora derradeira, quando retornaria à natureza, transformando suas moléculas em adubo para uma formosa quaresmeira e, continuar pela eternidade, a receber os carinhos de seu amante.
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