BEDA – Não nasci Marie Kondo

Seis e quarenta da manhã. Quinta-feira nublada e meu corpo se nega a despertar. Respiro fundo e levanto.

Ao abrir a janela para me conectar com o mundo, distraio diante da cena: três travestis conversam animadamente sobre a noitada que rendeu. Sorrio perante o diálogo.

A TV ligada avisa que estou muito atrasada.

“Hum, não terei tempo para o banho”

Recordo que tenho uma reunião importante com alguns fornecedores.

“Preciso me arrumar”.

A cafeteira trabalha rápido perfumando o ambiente. Abro a porta do guarda-roupa e o que vejo me paralisa: um caos que minhas retinas registram.

Não tenho uma única peça de roupa passada. Camisas misturadas com jeans, que sufocam meu cashmere que trouxe de Buenos Aires, na última viagem de férias.

Abro outra porta e despencam vários calçados que – cansados de aguardar um olhar de organização -, cometem harakiri.

As gavetas de lingeries não ficam atrás. Soutiens velhos, laceados, misturados com modelitos “mamãe quero dar”. Calçolas furadas se reuniram num tour de force às meias soquetes, faixa de gaze (o que isso faz aqui?) e variados cintos coloridos.

Bocardi grita da “telinha” que já passa das 7h30.

Entro desajeitada num vestido agarrado que pede para continuar no limbo do armário. Subo num scarpim de verniz e em seguida, opto pelo tênis, afinal, não vale a pena sofrer logo cedo.

Suando, entro no elevador e, ao girar a chave no portão, o silêncio da rua sem carros me traz a lembrança de que a quarentena transformou nossa ida ao trabalho em Home Office.

“Caralho! A reunião é on-line!”

Esse texto faz parte da blogagem coletiva BEDA (Blog Everyday April).

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Alê Helga – Claudia Leonardi– Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

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BEDA – Planos de última hora

Doroteia sempre se esquivou de pensar muito na questão da morte. Mais especificamente na sua morte. Costumava pensar: Quando ficar mais velha, penso nisso. Agora sou jovem, cheia de vida e planos para concretizar. Não tenho tempo para isso!
Só que as vezes a vida dá uma de sacana e prega uma peça quando se menos espera…

Foi exatamente assim que ela se sentiu ao ouvir o diagnóstico do doutor
Franco, sobre meus exames.

– Doroteia você está entendendo o que estou falando à você?

– Sim. Estou entendendo perfeitamente. Significa que tenho os dias contados.
Certo?

Diante da frieza desprendida, Doutor Franco ficou em silêncio analisando.

Com certeza pensou — com seus botões do jaleco — ela está em choque, diante de diagnóstico tão ruim.

Na realidade, a reação dela foi puro racionalismo cartesiano. Talvez, pela primeira vez na vida,

não se deixou levar pelas emoções, e sim, pela razão pura. 

– Doutor, estou tranquila. Encaro a possibilidade de finitude numa boa, afinal, todos nós temos o prazo de validade já estipulado. Só não temos a informação. Mas, uma vez que já a tenho, vou cuidar do resto de vida que me resta para viver intensamente. Minha existência com certeza não terá sido em vão.

– Sua vida ficará a cada dia mais limitada, minha querida. Pouco a pouco perderá as forças, dependerá cada vez mais da ajuda de familiares e enfermeiros. Chegará ao ponto em que ficará totalmente dependente de máquinas para respirar e se alimentar. Compreende? Logo, não poderá executar seu plano de viver intensamente. Tenha calma, estarei a seu lado para orientar, informar e também te confortar, afinal, mais do que seu médico, sou seu amigo. 

Diante do brilho nunca visto em seu olhar, Doroteia compreendeu que ele
estava sendo sincero e se comoveu.

– Obrigada Franco! Sei que poderei contar sempre com você. Mas, minha
decisão está tomada. Vou viver o pouco que me couber intensamente! Fazer tudo
aquilo que sempre tive vontade e, que por alguma razão, protelei achando que um dia realizaria. O momento é agora!

Dizendo isso levantou, pegou a bolsa, os óculos de sol, abriu o melhor sorriso e deu a mão num cumprimento formal ao médico. No meio do caminho parou, pensou melhor e deu a volta na mesa, abraçando-o pela primeira vez em anos de convivência médico/paciente/amigo.

– Obrigada por sua dedicação todos esses anos comigo doutor Franco. Obrigada também por sua sinceridade.

Depositou um beijo suave no rosto do homem que permaneceu sem reação. Acompanhou com os olhos a saída da jovem senhora que se virou, piscou marotamente e disse:

– Tchau! Tenho muita coisa a providenciar em pouco tempo. Em breve o senhor terá notícias minhas !

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BEDA – Uma leitura que te pega

Sou uma devoradora de livros assumida. Aberta a ler quase tudo. Gosto de histórias mescladas com fatos verídicos e ficcional. Xangô de Baker Street, Anjos e demônios, O Clube Dante e tantos outros. Sei separar muito bem o real e o não real. E tenho comigo, que mesmo a realidade, tem seu filtro próprio e que cada um enxerga o que alcança ou deseja enxergar.

Estou a caminho do término de um livro que me pegou de jeito e por conta de sua leitura, deixei de lado meu hábito de ler um capítulo por noite de cada um dos cinco livros empulhados em minha mesa de cabeceira. Toda noite minhas mãos vão ao encontro de outro livro e…Simplesmente desvia e volta a pegar ele.

O livro dos anseios me conquistou logo de cara pelo título afinal, carrego meus anseios e escrevo sobre eles também. Identificação. Abaixo, o início da história que me fisgou de imediato

Meu nome é Ana. Fui esposa de Jesus, filho de José de Nazaré. Eu o chamava de Amado, e ele, me chamava de Pequeno Trovão. Ele dizia ouvir estrondos dentro de mim quando eu dormia, como o som de trovoadas muito além do Vale do Nahal Zippori ou mais para lá do Jordão. Não duvido que ele ouvisse alguma coisa. Toda a minha vida, anseios viveram dentro de mim, saindo para lamentar e cantar durante a noite. Que meu marido, em nossa cama fina de palha, colocasse seu coração sobre o meu para escutar era o ato de bondade que eu mais amava nele. O que ele ouvia era minha vida implorando para nascer.

Uma mulher/personagem que luta contra as regras rígidas que a impedem de crescer e expressar o que pensa sem dúvida, me cativa. O fato dela ter consciência de sua situação e de tantas mulheres de seu tempo que foram violentadas e amordaçadas, vendidas e usadas. Sua necessidade em escrever nos papiros sobre essas vidas e toda situação vivida numa época tão selvagem mas que também se assemelha (Infelizmente) aos nossos tempos me leva a muita reflexão. Sei que não será uma temática que agradará a todos mas, se você se despir de todo e qualquer julgamento, tenho certeza que lerá uma história incrível e se apaixonará por essa mulher. Sou fã de Jesus – humano, revoltado com os desmandos romanos, crítico e justo mas, aqui, quem brilha e impera o tempo todo, é a figura gigante de Ana. Ah, justiça seja feita. Ana recebeu amor e conviveu com outra mulher que foi exemplo para ela. Outro ser gigante e amaldiçoada por todos: sua tia Yalta.

Sue Monk Kidd, a autora dessa obra, já tem outros livros de peso como seu primeiro romance A vida secreta das abelhas que foi adaptado para o cinema em 2008. O livro que estou lendo faz parte da assinatura TAG e tem uma edição belíssima mas você pode adquirir também por outras editoras. Se já leu, comenta comigo. Se não leu, deixo aqui uma sugestão incrível. Vale muito a pena passar algumas horas com Ana.

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Dedo de prosa com d. Maria

Vó, hoje pensei em você em vários momentos do dia. Começou quando cheguei a casa de mamãe e, ao abraçá-la, te senti em meu abraço. Me perdi por uns segundos. Enquanto preparávamos o almoço, as duas de barriga colada ao calor do fogão, trocamos olhares cumplices iguais aos que trocávamos em seu fogão. Você, mulher madura, eterna criança. Eu, criança sonhadora que aspirava ser como você, ao crescer. No silêncio do cozimento da polenta ou no tiritar das suculentas mandiocas no óleo quente, observava a alquimia acontecendo. Ficava deslumbrada ao observar o apreciado tubérculo, dourando diante dos meus olhos. Abria um sorriso — manifestação genuína de pura alegria — cerrava os olhos me deixando envolver pelo perfume que emanava e envolvia toda a cozinha. Você, não se contendo diante de minha reação, caía no riso balançando a barriga flácida e quentinha, amparada pelo eterno avental florido.

Vó, como gostava de me deixar envolver pelo calor do seu amor. Sua imagem cabocla, seus longos cabelos presos num coque baixo, o brilho de seu olhar sempre atento, sua bondade infinita e até mesmo, seus instantes de raiva em explosão de palavrões, faz uma falta danada. Sua simplicidade nunca foi sinônimo de ignorância, mesmo analfabeta.

Sabe vó, a cada dia que passa, sua filha está mais parecida com você. No físico, na filosofia de vida, na alma. Mamãe é uma versão sua a me acompanhar pela vida adulta. Hoje, somos duas amigas e companheiras de vida. Ultrapassamos e superamos a difícil relação mãe/filha.

Me pergunto se daqui uns anos, serei réplica de vocês duas, dando continuidade a essa tradição de mulheres fortes, construção diária de uma biblioteca de sentimentos, emoções e doação.

Herdei de vocês o amor incondicional, o respeito à natureza, o prazer em preparar alimentos transformando esse momento em ritual alquímico e a alegria em dividir atenção, trocar experiências e alcançar no interior das pessoas, o tesouro que nem elas sabem possuir.

Não deixo herdeiros consanguíneos, mas, sei que espalho a semente que ao desabrochar, manterá a lembrança da tia Roseli, a senhorinha de cabelos brancos, sorriso largo e um abraço caloroso. Acho que vou deixar uma bela história para se contar…

Vó, agora a pouco lembrei do sonho que tive com você, dias depois que partiu. Caminhávamos juntas e ao chegar ao término da estrada, você olhava, sorria e dizia carinhosamente para mim:

Você me acompanha até aqui. Fique bem, saiba que sempre estarei ao seu lado, mesmo que não me veja. Agora volte, sua caminhada mal começou.

Voltei e tenho sua imagem como um símbolo de todas as mulheres que passaram por minha vida . Agradeço por seu exemplo, sabedoria, transparência e força.

Vó, por que será que lembrei tanto de você hoje?

Esse texto faz parte da blogagem coletiva Blogvember. Participam comigo:

Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Ilustração: Minha autoria

As memórias ficam suspensas dentro de mim

(Mariana Gouveia – As estações)

Sentada na penumbra do quarto, se entrega a um choro sem rédeas. Deixa fluir toda dor que por tanto tempo represou. Se fazer de forte para ganhar likes nas redes sociais não foi a melhor escolha para curar suas dores: a física e a emocional. A ira que se apoderou dela ao ser descartada feito um saco de batatas apodrecidas, lhe cegou. Sair insana dirigindo pela rodovia molhada. A chuva torrencial desabou, assim que ele fez as malas e partiu. Foi a coroação da sua dor.

Meses depois do acidente, está aprendendo a conviver com as sequelas que a acompanhará para sempre, segundo os médicos. Por mais que tente não pensar, turbilhões de questionamentos invadem sua mente: Por que não enxerguei seu afastamento? Por que ele deixou chegar a esse ponto? Por que ele foi tão agressivo chamando-me de balofa carentona? Por que foi cruel, se foi exatamente assim, que me conheceu? Por que disse ter vergonha de sair em público ao meu lado? Por que fui tão cega? Por quê, Por quê, por queee…

Mesmo após ter queimado o baú de fotos e todos os presentes que ganhou dele, os momentos que foram felizes ainda se mantém vivos. Fantasmas a lhe atormentar a alma. Gostaria de ter batido a cabeça e perdido a memória. Sofreria bem menos. Agora, as horas escoam lentamente. Nem amigos restaram. Ninguém gosta de tristeza, nem de doença, muito menos de aleijados. E ela, agora, é a somatória de tudo isso.

Uma sonolência a envolve. É a medicação fazendo efeito. Chama o enfermeiro de plantão e pede que a coloque na cama. Após tanta fisioterapia, ainda não adquiriu firmeza para se transferir da cadeira de rodas para a cama sozinha. Agradece o profissionalismo e o carinho discreto do enfermeiro. Sorri de olhos fechados, ao lembrar que pediu para ele ficar atento para quando sair alguma droga nova que alivie a dor física e apague as memórias que ainda insistem em viver de forma líquida dentro dela.

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Imagem gratuita: Pexels

A carta foi escrita com os espinhos que ninguém plantou

(Mariana Gouveia – As estações)

Janelas cerradas transforma o ambiente do escritório em uma câmara abafada. Somente a luz fraca de uma luminária sobre o papel de carta decorado, ainda em branco. Mãos nervosas se mexem, limpando um pó inexistente do tampo da mesa. Inquieta, se levanta, ajeita o excesso de tecido que forma a saia de seu vestido. Percorre a sala olhando para todos aqueles volumes de livros que compõe o ambiente mais querido de sua casa. Sua cela de luxo, refúgio das frustrações, das frases não ditas, dos olhares não mais trocados, dos silêncios gritantes.

Volta a sentar, se apruma mantendo a postura ereta . Com delicadeza que lhe é peculiar, pega a caneta tinteiro e tenta iniciar o texto tanto tempo ensaiado. Para no meio do caminho e uma dor fina se espalha por seu peito preso. Arfa por liberdade. Cada célula de seu corpo clama por ela. Não nasceu para ser dama da sociedade, representar o tempo inteiro uma falsa felicidade, imagem e reflexo da hipocrisia que todos vivem. Ela deseja mais que aquilo. A rotina doméstica, a solidão de uma dona de casa não lhe cabe.

Abaixa o olhar e percebe que a caneta vasou tinta por sobre o papel formando uma poça escura. Perfeita abertura representando o desconhecido. Sorri diante da ideia recém-nascida. Abandona a caneta e a sala. Horas depois, retorna. Cabelos soltos, calça comprida de seu marido, camisa solta que realça os seios libertos. Nós pés, um par de botas. Nas mãos, duas maletas pequenas que são temporariamente repousadas no chão enquanto rabisca apressada, no mesmo papel manchado a frase:

Prezados, cansei! Favor não me procurar pois não mais encontrarão quem um dia fui..

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Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

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BEDA – Estreia

Quando surgi nesse mundão de Deus logo de cara percebi que tinha entrado numa fria. Pior do que entrar na fila do transplante. Pisquei algumas vezes, chorei acreditando que sentiriam dó daquele pequeno ser indefeso, até urinei e defequei para enfatizar minha fragilidade.

Não adiantou o teatrinho. A parteira experiente deu um tapa bem dado, marcando minha cara roxa feito casula do papa. Assustada diante de tamanha violência calei-me! Engoli o choro e orgulhosa, desde pequenina jurei: nunca mais farão isso comigo. Nunca mais me verão derramar lágrimas. Serei dura feito aço, maleável como bambu, escorregadia tal qual quiabo, maquiavélica feito…feito…

Mulher! Sim, serei uma mulher como poucas nesse mundo. Seduzirei, mostrarei meus inúmeros dotes, apresentarei ao mundo meu talento e criatividade. Farei beijarem meus pés diante de tamanha beleza, encanto e altruísmo…

…Não foi bem assim que as coisas sucederam, mas isso caro leitor, serão outras histórias!

Esse texto faz parte da blogagem coletiva BEDA Blog Every Day August

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Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega Nuñes – Suzana Martins

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BEDA -Braçadas firmes na alma feminina

As mulheres estão cada vez mais demarcando território na literatura. Sinal que nós sempre tivemos muito a dizer. Só éramos amordaçadas. Tenho lido textos incríveis e hoje, foco especialmente numa poeta: Suzana Martins.

Dona de obra extensa e rica, seus poemas são repletos de delicadezas, verdades, alma feminina que não se intimida e se despe em cada verso.

Através da Scenarium Livros Artesanais, Suzana lançou seu belo livro (In)versos.

Repleto de sentimentos, os poemas num perfeito casamento com as ilustrações, faz da leitura, um prazer sem fim. Ao término de cada poema, sai fortalecida com a certeza de que todas nós mulheres somos feitas de matéria especial. Ah, como faz bem ler, sentir, entender a alma de outra mulher!

Apesar de conhecê-la de longa data, do princípio dos blogs, não a conheço pessoalmente. Suzana, precisamos mudar isso!

Se você ainda não conhece a escrita de Suzana Martins, apareça em seu blog Minhas marés e solicite seu exemplar.

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Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega Nuñes – Suzana Martins

BEDA – A mãe de todas as perguntas

Entre tantas leituras que fiz, algumas marcaram a ferro minha alma. Há questões que perseguem as mulheres desde que o mundo é mundo e passou a ser habitado pelo ser humano e comandado por homens.

Quando esse livro caiu em minhas mãos, o título por si só me prendeu a atenção e ao ler o subtítulo: reflexões sobre os novos feminismos, não deu outra, quis ser a primeira leitora daquele exemplar que faria parte do acervo da biblioteca em que trabalhava.

Confesso que não foi das melhores leituras que fiz e esclareço: minha dificuldade não ocorreu porque a escritora era ruim mas sim, pela potência das questões abordadas em todos os capítulos. São temas bem conhecidos do universo feminino. Qualquer mulher que ler, irá se reconhecer em várias situações. A começar a parte um, tecendo uma breve história do silêncio. Reconheço que até hoje muitas bocas femininas ainda se mantém cerradas seja por medo, por um forte elo educacional que amordaça a alma feminina mantendo-a cativa, obediente, si-len-ci-o-sa.

O ensaio cujo título dá nome ao livro, é sobre uma palestra que Rebecca Solnit fez sobre Virginia Woolf e ao abrir para perguntas, o público estava mais interessado em discutir se ela não deveria ter tido filhos.

A insistência da plateia em manter a discussão sobre essa temática, irritou a palestrante afinal, até parece que ser mãe é o ponto máxima da realização feminina.

Sei bem o que é isso pois sempre fui questionada por não ter me casado nem tido filhos. As pessoas buscam a felicidade e uma das inúmeras fórmulas para se alcançar, é a maternidade. Oras, se fosse assim fácil, não veríamos tantas mulheres infelizes e cansadas ao extremo rodeadas de filhos e cada vez mais solitárias.

Outras questões importantes são tratadas e a que mais mexeu comigo foi o capítulo que aborda o estupro. A própria palavra já é um soco no estômago, o ato em sí é uma das maiores violências que um homem pode aplicar a uma mulher. De fato, Rebecca não doura a pílula e mete o dedo na ferida sem dó pois afinal, não tem como romantizar um ato desses. Não dá para amenizar seus efeitos e dói.

Foi um livro que li demoradamente porque a cada capítulo lido, era um sofrimento pois sou mulher, já sofri muitas violências e elas podem perfeitamente vir mascaradas, maquiadas e coroadas com sorrisos e toques suaves e mesmo assim, fazer você se sentir invadida, desrespeitada, desvalorizada.

Não falarei mais pois até para escrever uma postagem sobre esse livro, machuca, faz abrir velhas feridas. No entanto, indico veementemente a leitura dele a todas as mulheres e também indico aos homens. É o típico remédio amargo difícil de engolir, terrivel de digerir mas que resulta em excelentes resultados para sanar essa doença que faz tantas mulheres sofrerem e até morrerem. Uma pílula necessária para se combater o feminicídio e a postura torta de uma sociedade doente. Você já leu e já descobriu a mãe de todas as perguntas?

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BEDA – Ainda jogo

Hoje passei o dia bem esquisita. Perdi a hora mesmo o alarme tocando, pulei da cama no horário em que costumo sair para trabalhar,me troquei, lavei o rosto, escovei os cabelos e os dentes e saí correndo para o metrô.

As horas passaram e permaneci anestesiada. No corpo e na alma. O que alegrou um pouco foi a presença constante das crianças e dos jovens do colégio. Alguns mais próximos, parecia ter o faro aguçado pois me perguntaram se estava tudo bem. De pronto respondia que sim, estava tudo bem. E dizia a verdade afinal, tudo anda seguindo muito bem em minha vida esse ano. Trabalho novo, bons resultados, ambiente saudável, pessoas agradáveis…

Mas alguma nota se encontra fora da posição, causando um desafino na melodia de minha vida. Enfim, ainda me encontro anestesiada – parcialmente agora – mas, quer saber? Lembrei de um texto escrito e publicado em meu primeiro livro lançado pela Scenarium. Da série Exemplos, Recortes de vida. Nossa, isso parece que foi no século passado mas a sensação boa de sua publicação, permanece com frescor. O texto Amarelinha.

Brinquei muito de amarelinha em minha infância. Era boa nisso! A certeza de que mesmo flácida, sem a energia dos doze, treze anos, prestes a adentrar para a turma sexagenária, eu ainda sei pular amarelinha. Minha alma sorriu.

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