Vó, hoje pensei em você em vários momentos do dia. Começou quando cheguei a casa de mamãe e, ao abraçá-la, te senti em meu abraço. Me perdi por uns segundos. Enquanto preparávamos o almoço, as duas de barriga colada ao calor do fogão, trocamos olhares cumplices iguais aos que trocávamos em seu fogão. Você, mulher madura, eterna criança. Eu, criança sonhadora que aspirava ser como você, ao crescer. No silêncio do cozimento da polenta ou no tiritar das suculentas mandiocas no óleo quente, observava a alquimia acontecendo. Ficava deslumbrada ao observar o apreciado tubérculo, dourando diante dos meus olhos. Abria um sorriso — manifestação genuína de pura alegria — cerrava os olhos me deixando envolver pelo perfume que emanava e envolvia toda a cozinha. Você, não se contendo diante de minha reação, caía no riso balançando a barriga flácida e quentinha, amparada pelo eterno avental florido.
Vó, como gostava de me deixar envolver pelo calor do seu amor. Sua imagem cabocla, seus longos cabelos presos num coque baixo, o brilho de seu olhar sempre atento, sua bondade infinita e até mesmo, seus instantes de raiva em explosão de palavrões, faz uma falta danada. Sua simplicidade nunca foi sinônimo de ignorância, mesmo analfabeta.
Sabe vó, a cada dia que passa, sua filha está mais parecida com você. No físico, na filosofia de vida, na alma. Mamãe é uma versão sua a me acompanhar pela vida adulta. Hoje, somos duas amigas e companheiras de vida. Ultrapassamos e superamos a difícil relação mãe/filha.
Me pergunto se daqui uns anos, serei réplica de vocês duas, dando continuidade a essa tradição de mulheres fortes, construção diária de uma biblioteca de sentimentos, emoções e doação.
Herdei de vocês o amor incondicional, o respeito à natureza, o prazer em preparar alimentos transformando esse momento em ritual alquímico e a alegria em dividir atenção, trocar experiências e alcançar no interior das pessoas, o tesouro que nem elas sabem possuir.
Não deixo herdeiros consanguíneos, mas, sei que espalho a semente que ao desabrochar, manterá a lembrança da tia Roseli, a senhorinha de cabelos brancos, sorriso largo e um abraço caloroso. Acho que vou deixar uma bela história para se contar…
Vó, agora a pouco lembrei do sonho que tive com você, dias depois que partiu. Caminhávamos juntas e ao chegar ao término da estrada, você olhava, sorria e dizia carinhosamente para mim:
Você me acompanha até aqui. Fique bem, saiba que sempre estarei ao seu lado, mesmo que não me veja. Agora volte, sua caminhada mal começou.
Voltei e tenho sua imagem como um símbolo de todas as mulheres que passaram por minha vida . Agradeço por seu exemplo, sabedoria, transparência e força.
Vó, por que será que lembrei tanto de você hoje?
Esse texto faz parte da blogagem coletiva Blogvember. Participam comigo:
Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins
Ilustração: Minha autoria