Em meio aos caos de início da noite, numa cafeteria frequentada por jovens, uma pessoa se destaca. Sentado sozinho numa mesa de canto, o homem saboreia seu café com o pensamento longe dali. Relembra sua mocidade constatando que lá atrás, já era um frequentador de cafeterias. Sempre foi o local preferido para pensar, observar e escrever. Muitos textos a princípio e depois, com carreira já consolidada, vários de seus livros foram escritos nessa ambiente. Sorri de forma desencantada ao relembrar que esses espaços eram cheio de charme e liberdade.
Hoje, transformadas em espaços glamourizados, pessoas circulam por elas munidas de seus notes, tablets, smartphones, isolando-se em seus mundos virtuais. O que antes era recinto para acolhimento e troca de ideias, hoje, tornou-se depósito de seres humanos robotizados e alienados.
Nem mesmo se tem a liberdade de acender um cigarro e, entre uma tragada e outra, liberar ideias e desenvolver roteiros para um novo romance ou conto.
Enquanto simula profunda tragada num cigarro imaginário, o senhor ajeita a flor na sua lapela, alisa o tecido da calça no padrão risca de giz e abre um envelope amarelado pelo tempo. Uma carta se abre diante de seus olhos cansados que – ao percorrer suas linhas -, ganha um brilho intenso.
Se alguém prestasse atenção, veria um personagem bem interessante saído de um filme noir.
Dobrando a carta e devolvendo-a ao envelope, saboreia mais um gole do café fazendo careta. Massageia o rosto flácido, coça a cabeça que ainda mantém uma cabeleira farta. Guarda o envelope no meio de um velho livro de capa de couro.
-Ana Maria… por onde andará a essa altura da vida? Será que ainda é viva?
-Senhor? Falou alguma coisa? Deseja mais café? – pergunta uma jovem garçonete que limpa a mesa ao lado.
-Não minha filha. Sou só um velho resmungão que tem por costume falar sozinho.
-O senhor é muito refinado. Sempre que aparece pede por favor, agradece. Um cavalheiro! Isso não existe mais não.
-E você minha jovem, demonstra ter um olhar para o próximo e está sempre com um sorriso nos lábios para atender a todos. Isso também é raro.
-Sim. Mas hoje, percebo que o senhor está triste. Desculpe se estou sendo invasiva mas, aconteceu alguma coisa?
-Além de jovem, bonita e atenciosa, ainda é observadora. Agora virei seu fã!. Tem razão mocinha. Hoje, acordei saudoso de um tempo que não volta mais. Coisa de velho solitário. Não liga não.
Dizendo isso, toma um último gole do café já frio, reúne seus pertences, ajeita o chapéu de feltro cinza na cabeça e sai, desejando boa noite para a moça.
Pensativa, a garçonete recolhe a xícara usada pelo senhor. É quando percebe algo caído próximo a cadeira: uma foto em preto e branco com um belo casal de jovens abraçados e sorridentes.
A moça, linda em seu vestido rodado e chapéu com véu cobrindo parcialmente seu rosto bem feito. O jovem, impecável em seu terno estruturado em risca de giz, chapéu de feltro e um cigarro acesso no canto da boca.
Romântica, a jovem guarda a foto em seu avental para, no dia seguinte, devolvê-la a seu dono. Não deseja tomar para si talvez o único elo de um passado feliz de um velho solitário. No fundo, sente uma pontada de inveja por não ser a moça feliz ao lado do jovem amoroso.
-É, já não se faz amor como antigamente…
-Falando sozinha Janaína? Deu para isso agora?
-É chefe. Às vezes tenho isso.
-Então deixa os devaneios de lado e vá atender a mesa 8.
-Ok!Ok! É vida que segue. É trabalho que chama!
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