
Caríssimo C.F.A.,
São Paulo acordou envolta numa neblina que me fez lembrar sua região. Quando mais jovem, adorava esse clima frio afinal, nasci nesse período. Junho, mês de festividades, procissão, fogueira de São João. O Santo do meu dia de nascimento. Sabia que meu nome era pra ser Joanina, como reza a tradição de quem nasce nessa data? Ainda bem que meus pais tiveram outra ideia para me nominar. Gosto da sonoridade de meu nome. Nada contra porém, meu nome tem tudo a ver com minha personalidade.
Despertei pensando em você. Olha só que coisa! Tomei meu café e saí munida de casaco de lã, cachecol e luva. Coloquei também uma boina porque o vento está de lascar.
Saí caminhando pela Rêgo Freitas, atravessei a praça Roosevelt, entrei na rua Augusta. Minha intenção era chegar à Avenida Paulista. Caminhando lentamente lembrei que você costumava circular por aqui. Gostava de caminhar. Lembra? Dizia que caminhar te ajudava a pensar e desenvolver suas histórias. Também sou assim.
C., ando muito introspectiva. Talvez devido a idade, excesso de sensibilidade, tenho sentido certo receio – se é que posso chamar assim – de sair às ruas, de circular como fazia antes. Pode parecer papo saudosista, mas, antigamente era mais prazeroso sair à noite, andar pelas ruas, entrar nos locais públicos. Antes, saíamos para ver gente e – claro – ser vista por eles também. Atualmente, transformamo-nos em zumbis tecnológicos.
A “night” continua a mesma. Ferve. A diferença é que as pessoas não se encontram interessadas no ser humano ao lado e sim, nos likes que poderá ganhar em suas redes sociais. Só se preocupam com seus selfies. Aquele lance de sair e paquerar que tanto gostávamos de fazer quando jovens, deixou de ter importância nessa sociedade que privilegia o virtual em detrimento do real. Tenho certeza que, se aqui estivesse, ficaria indignado. Eu estou! O prazer que tínhamos em marcar encontros nos lugares badalados para conversar, se confraternizar, paquerar, não existe mais. É sério! Não estou inventando. Nas redes sociais temos centenas de amigos, porém, quando chamamos as pessoas para um encontro real, todos concordam e, conforme vai chegando o dia, vão comparecendo cheios de desculpas esfarrapadas. Ah! E os poucos que comparecem, dão mais atenção aos seus smartphones na mesa do que ao seu interlocutor ao lado. Broxante!
C., definitivamente estou encalhada feito baleia jubarte na praia. Não consigo me interessar por ninguém e ninguém se interessa por mim. Passei do ponto, tornei-me seletiva e chata. Sinais dos anos. Algumas vezes, quando bate certa solidão, penso em sair e conhecer pessoas mas… Quer saber? Bate uma preguiça! Então conto até dez, abro uma garrafa de vinho, encho uma taça, coloco uma seleção de Inger Marie Gundersen no Spotify, pego um bom livro e ponho pra correr a tal da solidão. Só sinto falta mesmo é de nossa amizade que, infelizmente não aconteceu.
Se tivéssemos nos conhecido, nossa amizade seria como a que tenho com R.P. Amigo-irmão que está ao meu lado há pelo menos vinte anos. Vou te contar uma coisa: se você tivesse tido oportunidade de conhecê-lo, também teria caído de paixão pela pessoa linda que ele é. Formaríamos uma tríade. Uau!! Teria sido massa!
Querido C., acredito que por conta da aproximação de meu aniversário, ando mais melancólica que nunca. Abro-me com você porque sei que de melancolia você entende como ninguém. Sei lá, a idade avançando, a juventude se esvaindo, as rugas e as pelancas se acentuando… Não ri não que isso é sério! Ai meu Deus! Olha só o que escrevo para você! Devo de estar mesmo muito doidona. Não ria! Sei que do outro lado você deve estar se divertindo com minha desgraça mundana. Quer saber? Também acho graça. Choro e rio ao mesmo tempo por saber que você não teve a chance de envelhecer feito eu. Cara, você foi embora muito cedo! Essa vida é mesmo muito injusta. Que merda! Estou deprimida novamente. Nem posso culpar os hormônios como fazia antes. Até eles me abandonaram. Foram-se assim como a melanina de meus cabelos que agora se encontram brancos feito flocos de neve. Mas…Sabe que gostei deles assim? Fiquei cool! Sempre gostei desse termo: Cool.
Ah! Outro dia, sabe quem encontrei? Sua amiga Marcia Denser. Nossa! Conversei bastante com ela sobre literatura e sobre você. Sua orelha não ardeu? Falamos muito viu! Ela confessou que também sente demais sua falta.
Retornei ao meu apê e estou aqui, sentada de frente a janela do décimo andar observando a paisagem urbana de prédios e carros que passam sem cessar. Interessante, ao longe ouço um som de britadeira, buzinas, e outros sons que não consigo identificar. No entanto, a paisagem parece estática apesar de toda movimentação. E eu, aqui presa em mim mesma e nessa inquietação que não consigo identificar muito menos eliminar. Veja bem meu querido, não estou infeliz, contudo, também não me encontro em paz. O que será? Estarei com problemas psíquicos? Não desejo falar com ninguém. Lembrei de quando pequena, às vezes tinha a sensação de que diminua, diminua até virar um nano grão no universo. Era uma sensação – ao mesmo tempo curiosa, mas que me dava temor de ir até o fim.
Ah! Voltei a reler seu livro Os dragões não conhecem o paraíso. Não canso de ler esse livro cara. Até baixei ele em meu note. Pela enésima vez me emociono diante da beleza do conto A beira do mar aberto. Cara! O que é esse conto? Mexe com minhas entranhas. Puta que o pariu! Falando nesse livro, sabia que fui apresentada à sua obra através de meu amigo R.P. (ele novamente), que me brindou com seu conto Os sapatinhos vermelhos. Diz ele que sentiu que esse conto bateria fundo em mim. E acertou!
Tinha muito mais a falar para você, mas, vou parando por aqui para não me tornar excessivamente carente e chata. Sabia que sou espírita? Pois é, sou. Muitas pessoas se admiram quando ficam sabendo desse meu lado espiritual uma vez que – escritor que se prese – deve ser ateu/atoa/existencialista. Só posso adiantar que sou tudo isso e muito mais. Você bem sabe que somos uma somatória de facetas. Para escrever temos de ser muitos, vários, jamais rasos. E sem medo de mergulhar. Mesmo que não se saiba nadar. Feito eu.
C., perdoe-me se fui extensa nessas linhas. Tenho uma coleção Britânica de assuntos que gostaria de trocar com você. Veja bem: sei que a vida continua desse outro lado. Sei também que tudo é infinito mesmo que a finitude seja nossa estação final. Um dia, se o Todo Poderoso permitir, quero sentar de frente a você e, sorrindo e abaixando o olhar de timidez inicial, começar nosso papo dizendo:
-Oi C., finalmente estamos tête-a-tête para oficializar aquilo que já estava decretado por um Ser Superior Maior. Obrigada por me esperar. Trago muitas notícias da Terra. Tem um tempinho para me ouvir?
Olhando-me com seus olhos graúdos e devoradores me responderá:
-Guria, tenho todo o tempo do universo. Desembucha!
E juntos cairemos numa risada sem fim.
Anoitece em Sampa e a realidade grita por minha atenção. Paro desejando esticar mais um bocado.
Tenha um resto de eternidade de muita paz e – faz um favor – , quando cruzar com Cazuza diz que também aguardo um dedo de prosa com ele . Ah! Favor nº2: caso trombe com meu Menino Maluquinho circulando de longboard por aí, diga-lhe que tia Lilica o ama eternamente e pra ele se comportar enquanto não chego. E que sinto saudades de suas aventuras na cozinha me preparando una pasta al pesto.
Com amor e carinho,
Roseli
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