BEDA / 6 on 6 – Arquitetura

Desde criança, tenho verdadeira fascinação por formas e cores, tanto que tinha certeza que seria uma artista plástica pois vivia com um bloquinho e lápis, desenhando tudo o que me chamava atenção.

Em 1993, passei no vestibular e iniciei o curso de arquitetura, na Universidade São Judas, na Mooca. Atravessava a cidade, dormindo em pé no trem e metrô para assistir as aulas que começavam às 7h da manhã. O prazer se estampava em meus olhos durante as aulas de comunicação visual, desenho arquitetônico, projeto e paisagismo. Em compensação, chorava lágrimas de sangue a cada aula de cálculo, física e resistência dos materiais. Números nunca foi meu forte. Pelo contrário, penso comigo que devo sofrer de discalculia e nunca fui diagnosticada.

Minhas aventuras nesse curso durou somente um ano e meio. Desisti exatamente por conta dos malditos números: não dava conta das equações dadas pelos professores e também não dei conta dos números que representavam a mensalidade do curso. Não combinava com minha realidade. Dura realidade. Precisei voltar ao mercado de trabalho. Nesse meio tempo me descobri na Biblioteconomia mas continuei com minha paixão pelas linhas, retas e curvas.

De Bauhaus, passando por Walter Gropius, Le Corbusier, passeando por nossos talentos, Niemeyer, Lina Bo Bardi, Vilanova Artigas e tantos outros talentos que vieram depois, todos me emocionam ao observar a beleza de suas linhas. Mas, confesso que sou amante do que veio bem antes desses nomes se tornarem conhecidos.

Quando estive em Portugal, de férias em 2006, explorando a cidade de Lisboa, me encantei com essa construção que chama a atenção: Tourada de Campo Pequeno. Apesar de meus olhos brilharem com sua beleza exótica, não quis assistir nenhum espetáculo de lá. Passo longe de touradas.

Ainda passeando por Lisboa, registrei esse prédio que nem é propriamente bonito mas me chamou a atenção, seus detalhes, a porta, o conjunto todo.

Na Ilha de Itaparica, explorando suas ruas, me deparei com essa bela construção. Fiquei uns minutos mergulhada nela a pensar em seu passado e quantas histórias tem registrada em suas paredes.

Essa casa encantadora também capturou meus olhos e as lentes de minha câmera na Ilha de Itaparica. De portas e janelas abertas durante todo o dia, ela exalava vida e cuidados. Basta observar esse belo canteiro do lado de fora

Não sou católica mas, se tem algo que gosto de fazer ao viajar, é conhecer as igrejas locais. Adoro apreciar esse tipo de construção. Tenho registro de várias igrejas que visitei em Portugal mas, infelizmente, na época, tirei numa máquina que não tinha boa resolução e isso, aliado a incompetência da humana que manuseou essa câmera, não registrei boas fotos. aliás, só mantive por conta de ser uma boa lembrança. Basta observar as fotos acima que não primam pela nitidez e foco. Num outro passeio, dessa vez em Paraty, finalmente consegui encontrar a igreja da cidade histórica aberta e fiz alguns registros de seu interior

Mas também gosto de registrar o caos urbano de São Paulo e, aqui em minha região, tenho belos exemplos, como esse prédio preto que passou recentemente por uma reforma e que gostei bastante da pintura preta aliada ao verde em cada varanda.

Esse texto faz parte das blogagens coletivas BEDA (Blog Everyday April) e Projeto Fotográfico 6 on 6. Participam comigo:

Alê Helga – Claudia Leonardi – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

6 0n 6 – Last six months

Em julho, fui prestigiar um grupo de artistas – incluindo minha irmã Edilene – mais conhecida no meio artístico como Lírio Paper. Uma mostra de trabalhos feito com papéis artísticos. As mais variadas técnicas. Foi uma grata surpresa conhecer o Museu Histórico Paulo Setúbal, os artistas expositores e um pouco da cidade de Tatuí.

Agosto iniciou com a volta às aulas e toda agitação gostosa dos alunos. As atividades seguiram e, entra dia, sai dia, sigo enrolada com minhas inúmeras atividades. Não tem jeito, eu traço minha linha de raciocínio e vou trilhando, semeando e cultivando a paciência para a colheita futura. Nessa entre safra, o prazer em receber livros novos da Scenarium e observar com muito orgulho, a beleza e criatividade dos livros e conferir o talento de cada autor(ra) publicado. É de encher os olhos e bater mais forte o coração

Setembro demarcou território, mantendo o clima mais frio. Nem me incomodei pois a biblioteca transpira calor humano e passar o dia a dia, envolta por esse cenário que une livros diversos a uma arquitetura que transpira história em cada detalhe, me faz sentir que o paraíso é aqui mesmo.

Chegou outubro trazendo muitas comemorações dentro de um único mês: mês internacional da biblioteca escolar, dia da criança, dia de Nossa Senhora Aparecida, dia do Professor, dia Nacional do Livro, dia do Saci, Dia das Bruxas e uma data para mim, muito especial: 31 de outubro Dia D “Drummond”. Difícil escolha das fotos. Havia escolhido a foto da decoração Halloween, que fiz na biblioteca. Confesso que na hora de escrever esse texto, meu coração saltou para a bela ilustração do livro infantil A máquina do poeta, sobre o poeta Drummond, através das mãos talentosas de Nelson Cruz. Simplesmente amo esse livro!

Ao virar a página do mês dez e inaugurar novembro, eis que fico de boca aberta ao me conscientizar que entramos no mês onze! Como assim? Pisquei os olhos e ano de 2022 em ritmo de véspera de encerramento? Entro no mês com os dois pés juntos e não tem como escapar do assunto que está na boca de todos os brasileiros e demais nacionalidades. O mundo basicamente respira e contempla a Copa do Mundo de Futebol e eu tratei de decorar a biblioteca com o tema. Os alunos adoraram!

Chegamos a Dezembro, mês conflitante para mim. Gosto da possibilidade dos reencontros, dos abraços, do carinho mas detesto cada vez mais a ida ao comércio e o estresse causado pelo excesso de pessoas descontroladas, deseducadas que desestimula a compra tranquila de uma lembrança para familiares e amigos mais próximos. Por conta dessa mudança em meu interior, que busca cada vez mais o simples, optei por representar o mês, um belo exemplar da natureza, que capturei no jardim de minha mãe, domingo passado: Neomarica candida ou, seu nome popular, Íris da praia. Não me canso de apreciar sua beleza e delicadeza!

Participam comigo desse projeto:

Lunna GuedesMariana GouveiaObdulio Nuñes OrtegaSuzana Martins

Queria ver se chegava por extenso, ao contrário

(Helder)

Diminui diante de tamanha força e beleza. Não tive reação, não consegui expressar palavra.

Paralisei envolta pela brisa perfumada que se formou, assim que volitou em minha direção.

Seu perfume fixou na epiderme cansada de quem já não esperava nada da vida.

Um único encontro. Mais certo dizer um único cruzar de caminhos e, bastou.

Foi o suficiente para mudar a rota de uma existência errônea.

Segui, não olhando para trás. Jamais pensei em voltar e te procurar, tentar contato, te conhecer.

Preferi o colorido da fantasia que te torna perfeito, sem falhas, justo. Um deus!

Esse texto faz parte da blogagem coletiva Blogvember. Participam comigo:

Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Imagem gratuita: Pexels

Dedo de prosa com d. Maria

Vó, hoje pensei em você em vários momentos do dia. Começou quando cheguei a casa de mamãe e, ao abraçá-la, te senti em meu abraço. Me perdi por uns segundos. Enquanto preparávamos o almoço, as duas de barriga colada ao calor do fogão, trocamos olhares cumplices iguais aos que trocávamos em seu fogão. Você, mulher madura, eterna criança. Eu, criança sonhadora que aspirava ser como você, ao crescer. No silêncio do cozimento da polenta ou no tiritar das suculentas mandiocas no óleo quente, observava a alquimia acontecendo. Ficava deslumbrada ao observar o apreciado tubérculo, dourando diante dos meus olhos. Abria um sorriso — manifestação genuína de pura alegria — cerrava os olhos me deixando envolver pelo perfume que emanava e envolvia toda a cozinha. Você, não se contendo diante de minha reação, caía no riso balançando a barriga flácida e quentinha, amparada pelo eterno avental florido.

Vó, como gostava de me deixar envolver pelo calor do seu amor. Sua imagem cabocla, seus longos cabelos presos num coque baixo, o brilho de seu olhar sempre atento, sua bondade infinita e até mesmo, seus instantes de raiva em explosão de palavrões, faz uma falta danada. Sua simplicidade nunca foi sinônimo de ignorância, mesmo analfabeta.

Sabe vó, a cada dia que passa, sua filha está mais parecida com você. No físico, na filosofia de vida, na alma. Mamãe é uma versão sua a me acompanhar pela vida adulta. Hoje, somos duas amigas e companheiras de vida. Ultrapassamos e superamos a difícil relação mãe/filha.

Me pergunto se daqui uns anos, serei réplica de vocês duas, dando continuidade a essa tradição de mulheres fortes, construção diária de uma biblioteca de sentimentos, emoções e doação.

Herdei de vocês o amor incondicional, o respeito à natureza, o prazer em preparar alimentos transformando esse momento em ritual alquímico e a alegria em dividir atenção, trocar experiências e alcançar no interior das pessoas, o tesouro que nem elas sabem possuir.

Não deixo herdeiros consanguíneos, mas, sei que espalho a semente que ao desabrochar, manterá a lembrança da tia Roseli, a senhorinha de cabelos brancos, sorriso largo e um abraço caloroso. Acho que vou deixar uma bela história para se contar…

Vó, agora a pouco lembrei do sonho que tive com você, dias depois que partiu. Caminhávamos juntas e ao chegar ao término da estrada, você olhava, sorria e dizia carinhosamente para mim:

Você me acompanha até aqui. Fique bem, saiba que sempre estarei ao seu lado, mesmo que não me veja. Agora volte, sua caminhada mal começou.

Voltei e tenho sua imagem como um símbolo de todas as mulheres que passaram por minha vida . Agradeço por seu exemplo, sabedoria, transparência e força.

Vó, por que será que lembrei tanto de você hoje?

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Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Ilustração: Minha autoria

Nenhuma das chaves que possuía podia decifrar os segredos dos [invisíveis] cadeados

(Flávia Côrtes – As estações)

Nasci com o dom da intuição desenvolvida. Costumo antever alguns episódios antes que aconteçam, previ algumas partidas, conversei com entidades que se apresentaram à mim, conversei num dialeto africano, sem nunca saber uma única palavra. Atravessei caminhos de brasa acesa, viajei para Paris sem gastar um centavo e nem ficar sentada por horas dentro de um avião. Percorri ruas, senti cheiros, ouvi conversas nas mesas dos bistrôs. Em sonhos, encontrei soluções para problemas reais, fui aconselhada por meu anjo guardião inúmeras vezes.

Trago comigo as chaves de tantos cadeados invisíveis e jamais, desde que você partiu, consegui contato. Nem sequer uma palavra em sonho, um sopro em meus ouvidos, uma única brisa a entrar em meu recinto, anunciando que você se encontrava ao meu lado.

Será que tomou ao pé da letra as últimas palavras de seu avó, que em sonho lhe pedia para desatar os nós?

Tentei te ver nas águas que se movem, nas nuvens que se formam e passeiam alegremente pelo céu. Te procurei nos búzios, na borra de café. Consegui ver de um tudo, só não vi você.

Sim, eu sei que preciso te deixar partir de vez mas, onde foi mesmo que guardei seu cadeado para te libertar? Sofro amnésias seletivas. Contra a razão, optei por te manter preso a mim, mesmo que seja nas lembranças.

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Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Imagem gratuita: Pexels

Coração transplantado procurando resquícios do que já foi humano

(Lua Souza)

Já fui bad, já fui boy. Hoje sou outro ser. Percorro corredores dentro de mim, no afã de ser apresentada a esse novo ser que habita em mim. Confuso? Também acho mas, posso explicar. Senta que a história é longa.

Meu avô sempre dizia que a vida é insana e que devemos ter olhos e espírito atentos, pois situações se apresentam que nos tiram o chão. Achava exagero da parte dele, respeitava por ser senhor idoso e um ser humano muito fofo. Nasci numa família abastada que, após negociações mal estudadas, perdemos boa parte da fortuna passando a sobreviver de aparências. Em pouco tempo, minha personalidade pendeu para a manipulação. Tudo em nome de garantir meu bem estar. Acreditava que esse era um excelente argumento. Em nome dos privilégios que ansiava obter, passei por cima de muitas pessoas, ganhei um fã-clube que competia com a galera da Gaviões. A cada dia crescia mais. Quebrei muitos corações femininos. Sabia ter bico doce e dizer o que elas queriam ouvir. Nunca foi sacrifício afinal, apreciava o jogo da sedução.

Ao completar quarenta anos, sofri um grave acidente. Por pouco não morri. Meus companheiros de viagem não tiveram a mesma sorte. Morte imediata. Passei meses em hospitais, correndo risco de ficar paraplégico. Após dois anos, totalmente integrado a rotina de trabalho, viagens, prazer, sofri um primeiro infarto. Mais dois seguidos, me nocauteando na lona da vida. A sentença veio à cavalo: ou você recebe um coração novo ou não vive até o final do ano.

A revolta quase se transformou na pá de cal sobre minha existência. Era energia negativa demais num coração craquelado e frágil. Num momento de crise, levaram-me às pressas para sala cirúrgica e, trataram de trocar a peça avariada por uma que batia numa sonoridade que dava gosto. A cirurgia foi considerada um sucesso. A equipe médica vinha ao quarto com sorriso e brilho no olhar de profissionais vitoriosos. Jogavam sempre para ganhar e por isso, ganharam minha saúde numa cirurgia considerada de alto risco. Minha recuperação vou se materializando trazendo aos holofotes da vida, um ser humano diferente daquele que dera entrada numa emergência. Uma paz de espírito que não conhecia, aos poucos foi se instalando e passei a olhar para todos com mais atenção, gentileza. Era só sorrisos e mansuetude.

Mudei. Recuperada, tornei-me caseira. Sentia prazer em permanecer horas cuidando do jardim da mansão, conversava com o jardineiro, seu Benedito, que passou a ser íntimo da casa tomando café da manhã e almoçando ao meu lado. Aprendia a cada dia nova lição ao lado desse ser iluminado.

Minha mansão, antes cercada por cristais murano e pratarias frias, hoje é um reduto de calor humano. Passei a receber pessoas, a distribuir carinho, a ser boa ouvinte e, em troca, recebo em dobro algo que o dinheiro jamais havia comprado: o amor genuíno de seres humanos de verdade. Família não entendeu e se afastou de mim. Segundo eles, ao sofrer acidente, devo ter batido a cabeça e ficado pinel por ter mudado tanto.

Após muita conversa com seu Benedito sobre meus sentimentos atuais, contratei um detetive para descobrir a identidade de quem me doou o coração novo. Sabia que ali se encontrava a chave de minha mudança radical.

Os que ainda me odeiam, espalham por aí que minha transformação é castigo divino por tudo o que fiz no passado. Para mim, foi benção. Hoje, tenho uma família verdadeira e sou recebida com respeito, afeto, carinho legítimos. Herdei o orgão vital de Dalila, uma travesti famosa por ter um coração de mãe com todas as profissionais que viviam ao seu redor. Ao descobrir, fui visitá-las e após primeiro momento desconcertante, nos reconhecemos mutuamente. Na empresa, ainda preciso mostrar meus dentes alvos para me fazer respeitar por aqueles trogloditas de terno e gravata. Sou toda riso fácil, abraços e ombro amigo, com as secretárias executivas e demais meninas que compõem a área administrativa. Ano passado, fui aclamada como a empresária do ano e durante discurso, expressei ser grata a Deus pela chance dada de reiniciar uma vida mais humana, com coração embebido no amor de uma mulher de verdade.

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Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Imagem: Pixabay

Me despi de tudo desisti do arrependimento faria tudo de novo.

(Adriana Aneli)

Em meio ao sufoco de um vagão do metrô em pleno horário de rush, lembrei de como nos conhecemos. Reconheço que de imediato, pensei: se cruzasse com esse homem num bar, não olharia duas vezes.

A vida muitas vezes nos prega peça e ainda senta no camarote vip para rir da gente. Observando nós dois nesses anos, ela deve ter se divertido a valer com nossas idas e vindas, brigas quase toda semana, desaforos cruzados e calmaria por meses. Troca de carinho, conversas estendidas pela madrugada, promessas de nunca mais brigar. Bastava a rotina se instalar entre nós e…Começava tudo de novo…

Te abandonei inúmeras vezes, jurei pra mim mesma partir para outra, porque nosso lance já nascera condenado ao fracasso. Conheci outros corpos, você não fez por menos. Bastava eu te ver cercado por alguma “perua” e meu sangue fervia. Primeiro por orgulho de ter sido passada para trás. Depois vinha a raiva em ver que você havia me esquecido rápido. A seguir, a saudade e indignação de imaginar que ao seu lado estaria outra mulher e não eu. Você também teve rompantes ao me ver cercada por outros. Sendo cortejada, desejada, alvo do tesão de outros olhares masculinos. Isso feriu sua masculinidade. Senti prazer ao te ver sofrer!

Madura, tomei a iniciativa de procurar terapia. Foi o que me salvou. Trabalhei arduamente várias questões que me tornava infeliz, inclusive, esse sentimento alimentado por você. Não era normal. Numa dessas encruzilhadas da vida, tornei a te encontrar e dessa vez, foi diferente. Ambos estávamos ressabiados, sem graça, sem saber onde colocar as mãos, o que dizer, como dizer. Optamos por trocar apenas amenidades, perguntar da família, dos amigos, do trabalho evitando entrar em terreno pantanoso de nosso passado. Café tomado, troca de telefones (novos), desejo de felicidades e tchau…Até nunca mais!

Nunca mais brigas, nunca mais estresse, nunca mais ciúmes, nunca mais… Ai, assim também já é demais. Decidimos num acordo sem palavras, viver o resto de nossas vidas conversando muito, indo a cinemas, teatros, shows de cantores e bandas em comum e na calada da noite, assoprar as feridas ocultas que cada um carregava. Sexo? Nunca mais mesmo. Septuagenários, passamos mais tempo conversando e disputando quem tem mais dores pelo corpo e aconselhando novas terapias alternativas. Nunca mais perdemos tempo com tentativas vãs de contorcionismos exibicionistas da juventude. Chegamos ao ápice da maturidade e nos demos de presente a leveza de descer ao play para brincar, se divertir, azarar um com o outro e, ao término, trocas de beijinhos a distância afinal, vivemos em cidades e casa de repouso distantes uma da outra. Nosso caso poderia ter sido diferente? Pode apostar que sim mas, quer saber? Não nos arrependemos de absolutamente nada do que fizemos ou deixamos de fazer. Vivemos o agora e se o Todo Poderoso nos chamasse e desse uma nova chance, faríamos tudo igual só para podermos ficar como estamos agora, se divertindo criando avatar de nós mesmos e trocando mensagens: engraçadas, animadas, desbocadas.

Outro dia ele me fez rir muito mostrando suas pelancas, até passei mal e a cuidadora ralhou comigo. Comentou que estou ridícula agindo feito adolescente. Tive cólicas de tanto rir e fui parar no P.S. Ao ser interrogada pelo médico de plantão sobre o que causou a crise de riso, de olhos brilhando respondi: Doutor, o senhor ainda é novo. Rir é bom mas pode causar uma overdose e caso aconteça, deixe ela me levar porque morrer assim, deve com certeza deixar o caixão mais leve, quase uma pluma…

“Estação República, acesso a linha Verde e Vermelha”…

Moça, vai descer? Se não por favor dê passagem, credo parece que tá sonhando!

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Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Imagem: Pixabay

Diferente da maçã envenenada… a dor incurável da inveja mata a prazo

“O ódio espuma.

A preguiça se derrama.

A gula engorda.

A avareza acumula.

A luxúria se oferece.

O orgulho brilha.

Só a inveja se esconde.”

(Trecho de Mal secreto (inveja), Zuenir Ventura, da coleção Plenos Pecados)

Quando me deparei com o lançamento dessa coleção de livros no qual cada pecado recebeu o olhar de um escritor convidado, quis me debruçar sobre eles e devorá-los. Pequei. Fui gulosa. No decorrer da leitura da coleção, cansei um pouco e deixei de ler o último pecado publicado. Fui dominada pela preguiça.

Achei a definição de cada pecado perfeita! Desde já, ofereço como sugestão de leitura. Todos os pecados foram esplendidamente explorados e muito bem escritos.

Voltando ao trecho do poema de Lua Souza, no belo livro Estratosférica, a inveja é uma das piores pragas na humanidade. Um atraso na vida de quem a alimenta, um tormento naquele que é seu alvo. Fui vítima muitas vezes desde a infância, quando ainda não tinha consciência de sua existência. Uma colega de colégio confidenciou que sentia muita inveja de mim. Não consegui entender o porquê afinal, ela era muito mais bonita que eu, vinha de uma família com certo poder aquisitivo, diferente da minha família que penava para fechar o mês. Era popular, recebia todos os olhares de admiração tanto das meninas que queriam ser como ela, e dos rapazes que babavam quando ela deslizava pelos corredores escolar.

Na fase adulta, cruzei com pessoas que cometeram pequenos delitos invejosos. Nada que seja digno de relatar. No entanto, houve um ser que durante três décadas nutriu um verme em seu espírito que se alimentava de minhas imagens do cotidiano. Ser reptilíneo, em seu silêncio gritante, sorvia meus movimentos, minhas falas, meu andar. Caso deixasse, sequestraria minha alma.

Nossa convivência daria uma trilogia maior que a saga de H.P. Como nunca fui ingênua, criada com minhas antenas apropriadas para captar “coisa ruim”, soube me proteger.

Faço mea culpa. Tive na minha adolescência, passagens em que desejei demais trocar de lugar com uma amiga. Fomos grandes companheiras de escola, de vizinhança, de paqueras, trocas de confidências… Ela era tudo o que sonhava ser. Bonita, sensual, tinha roupas incríveis e uma família liberal que não pegava no seu pé, como a minha fazia. A vida tratou de dividir a pista que caminhávamos e nunca mais nos encontramos.

Adulta, lapidei meu ser nas águas calmas da ética, tenho meus valores que sigo, sou um ser em constante evolução e…Bom caro leitor, para minha segurança e a sua também, prefiro manter-me nos bastidores do palco da vida, circulo pelas coxias escuras, deixo-me envolver pelas dobras das pesadas cortinas de veludo que ninguém nota. Enquanto a plateia tem toda sua atenção para os que brilham na ribalta, do meu cantinho, passando desapercebida, esboço meio sorriso, aumento o brilho nos olhos, salivo de prazer e escolho minha próxima vítima que bem pode ser você que se debruçou para me ler. CUIDADO!

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Guardo-te na caixa dos segredos como se joia fosse… espio-te

com lupas microscópicas. (Mariana Gouveia)

Tem coisas e pessoas que são tão importantes em nossas vidas que guardamos como verdadeiros tesouros com medo de serem roubados. Outras vezes nosso egoísmo nos leva a tomar essa atitude. Não desejamos dividir com ninguém. Foi o que aconteceu com nossa relação. Se é que posso chamar assim…Pensando bem, posso pois é uma relação. Diria até estável uma vez que já completou duas décadas.

Está certo que entre idas e vindas, ocorreu hiatos. Períodos de total silêncio de ambas as partes. Até eles me são preciosos. Eu sei que você está longe, vivendo sua vida, atravessando cotidianos, comendo, bebendo, digerindo essa nossa absurda realidade. Curtindo as conquistas de seu amado time. Escrevendo.

Também sigo minha rotina, celebrando minhas pequenas/imensas vitórias. Natural afinal, são minhas, são genuínas. Consumo moderadamente, me alimento cada vez mais de produtos naturais, dou valor ao pequeno produtor, evito comprar de empresas que exploram crianças, reflito mais sobre meu papel no mundo. Leio cada vez mais, mergulho nas séries coreanas que tanto embalam minha alma sonhadora e fantasiosa. Sou velha, bem sei mas mantenho minha criança latente, cheia de energia dentro dessa caixa que pulsa sem parar aquecendo minh’alma.

Quando a realidade se torna insuportável, abro a tampa e admiro sua beleza, sua fina ironia, ouço-te declamar poemas tecidos com o mais puro amor que sai de ti. Na companhia de minha criança interior, ambos não permitem que sinta o peso da solidão. Sometimes, penso se voltaremos algum dia a nos encontrar, como outrora fizemos. É quase certo que não, por isso, tem sido cada vez mais frequente, minhas miúdas mãos carcomidas pelo tempo, vasculhar o fundo da caixa na esperança de reviver um beijo, um afago, um suave cafuné. Novamente ouço Shania Twain cantarolando You’re still the one, sorrindo confirmo que sim. Permaneço escrevendo.

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É tanta loucura que anda na bohemia da minha imaginação

A poesia, a ficção nos salva. Pelo menos, a nós que ainda nos permitimos sonhar. E atualmente, atravessando esse corredor escuro, fétido e quente denominado realidade, sinto calafrios incessantes. Estarei frebril? Uma virose me sequestrou? Ou será efeitos da loucura que se manifesta? Não aquela loucura ao qual estava acostumada a caminhar lado a lado, combinando respiração, pausas para alguns instantes de lucidez quando necessário, e retornando aos delírios lúdicos que nos aconchega a alma.

Nos últimos anos, roubaram-me a boa loucura e instalaram um chip de origem duvidosa. Dia após dia, sinto esvair as certezas, a esperança, o olhar para o belo e a transpiração conseguida após um bom gozo. Viver sem tesão gera muita tensão e o excesso de estresse, mata. Bem sei que a morte é nossa única certeza nessa vida mas, precisa de tanta neurose elevada à potência mil? Que modernidade é essa que (sobre)vivemos à custas de tantos sacrifícios. Vale a pena?

A cada despertar, um turbilhão de pensamentos, preocupações, inseguranças. Medo!

Paralisada, de dedo na boca, olhar vidrado e embaçado, roo a unha até chegar ao toco do dedo que sangra jorrando líquido quente lembrando que sim, ainda vivo, sinto dor, percebo a arritmia ditando alto minha falta de ritmo. Nego essa realidade que me abraça com mãos ásperas e destituídas de amor. Prefiro a loucura que habita minha imaginação porque essa, já conheço o roteiro, posso intervir caso não me agrade e nela, as regras são justas e claras. Aqui, nesse território tão íntimo, não sou amiga do rei, sou a própria rainha que impera, cria, dita as modas da estação, estabelece caminhos. God save the Queen!

Santa loucura/Santa imaginação/Santos delírios Batman! O que experimentou hoje pra ficar assim?

Dose dupla de realidade Menino Prodígio!

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Lunna Guedes –  Mariana Gouveia –  Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

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