Iniciando uma nova história

Ano de 2021 começou para mim de forma inédita: iniciei ele desempregada ou, como gosto de dizer: disponível para o mercado.

Foram mais de trinta anos trabalhando ininterruptamente. O ano de 2020, com toda a sua bizarrice, serviu de parada obrigatória onde aproveitei o tempo livre para botar na balança tudo o que vivenciei esses anos todos. Reconheço e sou grata por todas as minhas conquistas que não foram presentes do universo mas, preciosidades que lutei e trabalhei muito para conseguir. Analisei também meus fracassos, minhas falhas, minhas perdas. É importante encarar a tudo.

Aos poucos, fui me conscientizando de que – apesar de todo amor e gratidão que nutria pelo ambiente de trabalho e da equipe que se tornou minha segunda família -, era hora de zarpar e partir para singrar outros mares.

Vou confessar: talvez tenha sido a decisão mais difícil que tomei em toda minha vida. Já havia sentido isso antes: não pertencimento. Por mais que me esforçasse, não me sentia mais parte daquele contexto. Talvez porque minha alma já havia partido em busca de novos espaços, conquistas, desafios.

Nunca me casei mas, senti como se estivesse em um casamento de longa data, com filhos criados, casa bonita, carro do ano, férias anuais em interessantes lugares, companheiro parceiro, comprometido com você e leal, que te proporciona conforto, uma gorda mesada mensal e reconhecimento. No entanto, por mais que o meu carinho, reconhecimento e lealdade falasse alto, um desconforto já estava instalado em meu interior.

Deu-se o conflito!

O que fazer? Por que sinto isso? Será passageiro? Sou ingrata? Estarei em crise? Será que todos passam por isso?

Foram tantos questionamentos levantados que quase perdi a razão. A maioria das pessoas não compreenderam minha crise e meu desejo de sair, botar um ponto final em uma história tão bonita.

Talvez a minha veia de escritora tenha falado mais alto e como aprendi, toda história precisa de um começo, um meio e um fim. Minha história estava como costumam dizer “criando barriga” com “excesso de gordura”.

Por mais que gostasse dos personagens, era preciso encerrar para iniciar uma nova história. Coloquei um The End e encerrei a história que comecei a escrever em meados de 1995.

Cronometragem zerada. Comecei o ano vivenciando cada momento, cada segundo do meu dia que agora conta com muitas horas à minha disposição para aproveitá-las como bem quiser. Por enquanto, não desejo procurar nada. Quero me dar de presente, momentos de puro ócio – que como já bem intitulou o filósofo italiano Domenico De Masi -, ócio criativo. Estou aproveitando esses dias do primeiro mês de 2021, lendo bastante, assistindo filmes e séries, desenvolvendo projetos literários para futuras publicações pois desejo me entregar mais e mais a esse outro ofício: escrever.

E por falar em escrever, você que me lê, já encomendou seu exemplar do Equação Infinda? Ah… Não creio que ainda não tem em mãos! Corre que ainda dá tempo.

Aproveitei o dia de hoje, sábado, para dar uma senhora faxina e organizada no apartamento. Essa é outra atividade que muito me agrada pois uno o fato de limpar e jogar fora o que não mais me serve, com minhas emoções analisadas e desnecessárias que também jogo na lata do lixo. Mas sobre isso, falarei novamente em um outro texto.

É muito bom recomeçar!

Renascimento

O ser humano não nasceu para viver sempre igual, estático. Somos movidos a mudanças. Necessitamos delas.

Quem professa a ideia: Sou assim, não mudo! – desculpe minha franqueza mas, é um pobre iludido.

Mudar é renovar, virar páginas, iniciar histórias novas. Quem passa uma existência se negando a isso, perde a chance de momentos agradáveis, pessoas novas a contribuir para seu crescimento, aumentar seu círculo de amizades.

Durante vinte e cinco anos, passei aprendendo, absorvendo, acumulando experiências e vivências. Está certo que nem tudo foram flores contudo, até mesmo as pedras no caminho serviram para me fortalecer e aprender a separar o “joio do trigo”.

A decisão de virar a página, mudar a rotina, encerrar um ciclo, não foi nada fácil. Você parar por um momento, olhar para o espelho interior e assumir suas fraquezas, falhas, medos, não é uma experiência agradável. Porém, você mergulhar em si mesma e reconhecer e aceitar-se exatamente como é, te faz sentir algo indescritível. Somente os dotados de humildade e despidos do orgulho mundano, conseguem essa proeza.

Digo que consegui. Não mantenho uma postura com peito inflado expressando através de minha face amadurecida, “Oh como sou boa!”. Não mesmo.

Mergulhei em minha essência, reconheci meu verdadeiro eu, sentei no chão, chorei o choro – não dos fracassados mas sim, o dos que se reencontram consigo mesmo e retornam à superfície, refeitos, fortalecidos e com o desejo nítido de renascer.

Caminhada nova, estradas a desbravar, companhias diferenciadas que me proporcionarão grande avanço em minha existência.

2020 finda com minha conta zerada. Deixo para trás, colegas de duas décadas, espaço físico que vi passar por reformas. O vazio que sinto por hora, não é morada para a tristeza e depressão. Muito pelo contrário, é página em branco para que eu escreva uma nova história. E acreditem: escreverei!

Vou agora ali, abrir um espumante para brindar a fênix que volta a renascer.

E por falar em escrever novas histórias, você já reservou meu livro Equação infinda? Ainda não?

Dieta certeira

Woman Drinking With Cat

Maria das Dores Eterno, mais conhecida como Dorinha, desde que se conhecia por gente vivia em dietas. A partir dos dezoito anos não parou mais de passar de uma para outra de forma maratonal. Se é que isso é possível. Ela fazia ser! Fazia assinatura das revistas que tratavam do assunto, assistia na TV tudo o que passava.

O que não dava tempo, gravava para ver depois. Com o advento da internet, virou internauta das mais fissuradas. Se especializou tanto no assunto que se transformou na guru das amigas e colegas de trabalho. Passou a dar consultoria em seu horário de almoço em pleno refeitório. Olhava as marmitas como verdadeira arqueóloga analisando calorias, proteínas, vitaminas e tudo o que faz de uma boa refeição um prato saudável. Muitas moças seguiram seus conselhos à risca e conseguiram bons resultados.

Em pouco tempo ganhou fama, notoriedade, até um blog criou e de lambança, muitos quilos extras. Já beirando os 110 quilos muito bem distribuídos ao redor de seus pneus bem calibrados e de seu pescoço inflado, procurou desesperadamente ajuda médica.

Expôs detalhadamente sua eterna batalha contra o peso e seu conhecimento aplicado que de nada lhe adiantava.

O médico – em silêncio analítico – após uns segundos recomendou tratamento a base de medicação e ao término aconselhou-a:

– Dona Maria das Dor…

– Dorinha, por favor! Eu prefiro.

– Perfeitamente Dorinha, siga minha orientação e aproveite e marque uma consulta com um bom terapeuta.

Se não conhecer ninguém, posso indicar uns três de minha confiança e que já trabalho junto com alguns pacientes.

Com expressão de estranhamento, Dorinha inquiriu o porquê do médico endócrino recomendar um acompanhamento terapêutico afinal, ela não era doida!

– Dorinha, muitas vezes, nosso excesso de peso está ligado diretamente ao emocional que por ene motivos se encontra em desequilíbrio. Se você já seguiu inúmeras dietas e nada conseguiu, pode ser que a chance de seu excesso de peso esteja ligado ao emocional. Não se trata de loucura mas sim de acertas as arestas do suas emoções e de como lidar com elas. Compreende?

– Sim, acho que sim. Doutor, tenho um pouco de medo de lidar com essas coisas mas passe o endereço que prometo marcar.

Após alguns dias em dúvida se ligava ou não, Dorinha respirou fundo e ligou marcando para aquele final de dia mesmo. Ao chegar ao consultório, entrou ressabiada com o que encontraria lá. Em segundos acalmou-se pois o consultório era como tantos outros que já entrara. Silêncio na sala de espera e ao fundo, uma música de Norah Jones tornava o ambiente mais aconchegante. Um som de porta se abrindo e em pouco tempo, surge uma jovem mulher que se posiciona à sua frente e com delicadeza oriental pergunta:

– Maria das Dores?

– Só Dorinha, por favor.

– Perfeito! Dorinha é mais carinhoso e torna nosso primeiro encontro mais tranquilo. Meu nome é Sônia, sou psicanalista da linha yunguiana e a partir de hoje sou toda ouvidos para você. Me acompanhe.

As sessões foram passando juntamente com as semanas, meses, um ano. Algumas delas foram terrivelmente sofridas levando Dorinha a quase desistir da terapia. No entanto, Sônia foi sempre uma mão preciosa estendida à pobre e sofrida mulher. Outras tantas sessões foram leves, engraçadas e assim, pouco a pouco, o equilíbrio foi se estabelecendo.

Vinte e seis de agosto, terça-feira. Dia de mais uma terapia. Dorinha se encontra um pouco ansiosa. Sente que hoje será de alguma forma diferente. A porta se abre e uma voz chama Dorinha, que se levanta pesadamente e some por trás da porta.

– Como passou a semana?

– Mais ou menos. Tenho momentos de leveza permeado de tantos outros que parecem pesar mais que eu.

Sinto dores horríveis pelo corpo. À noite quase não tenho conseguido dormir por conta dessas dores.

Minha irmã mais nova, Maria dos Prazeres, vive rindo de mim dizendo que nossos pais escolheram nossos nomes a dedo. E que personifico muito bem o significado de meu nome. Assim como o dela.

Olhando-a profundamente por alguns segundos, Sônia sorri e diz calmamente:

– Dorinha, ainda vamos trabalhar muito essa sua relação com sua irmã e o significado de seus nomes. Hoje, o que tenho a dizer e que quero muito contar com sua ajuda, é o seguinte: acredito que descobri a origem de sua obesidade.

– Sério mesmo? Descobriu? Vou poder agora emagrecer e me sentir mais leve? Ahh… Graças a Deus! Graças à você. Mas me diz,o que descobriu?

– Nesses meses em que temos nos encontrado semanalmente, tenho formado um verdadeiro mosaico de você e sua vida(familiar, profissional, pessoal) e acredito ter achado um ponto em comum que liga todos.

– Fala Sônia!

– Seu nome, sem dúvida de alguma forma é um peso em você. Tanto que prefere ser chamada por Dorinha, que soa mais leve, mais amistoso. Você seguiu direitinho. Quanto a isso está de parabéns pois demonstra disciplina em tudo o que faz. No entanto, observei que desde sua infância você devora de forma constante um alimento que entope, que incha e que talvez seja o motivo de toda sua gordura: você se alimenta de forma quase instantânea de sapos.

– Como assim? Não entendi? Não costumo comer rãs.

– Não disse rãs Dorinha. Disse sapos. Você é uma tremenda devoradora de sapos. Engole todos. Isso está te fazendo mal. Silêncio absoluto na sala.

Dorinha parece uma estátua não movendo nenhum músculo. Nem mesmo sua respiração se percebe.

Sônia aguarda respeitando o momento de intervir. Somente o tic-tac do relógio se manifesta.

Gradualmente a máscara gélida vai se derretendo e, de pálida, passa a um colorido carmin. Lábios trêmulos e olhar apertado. Um choro manso e quase silencioso começa a brotar até transformar-se num desespero pleno.

Sônia continua em silêncio. Essa desintoxicação se faz necessária para que a paciente descarregue toda essa comilança mal digerida de atitudes que tanto lhe fizeram mal. Muitos de nós, no dia a dia faz dessa dieta certeira, o combustível nefasto para inflar nosso interior, nosso corpo que nada mais é, que reflexo de tudo o que nos faz bem ou mal.

 

Imagem: Fernando Botero

Aceitação na noite de São João

Noite junina

O outono manifestou-se tímido, esparramando folhas avermelhadas aos poucos pelas parcas áreas verdes da cidade de São Paulo. A estação passou feito um meteorito pela vida das pessoas afinal, havia tanto no que pensar e comentar que acabou passando quase que despercebido. E eis que adentramos o inverno.

Aquele veranico fora de hora foi-se e o clima esfriou fazendo as pessoas se recolherem em si.

Já é de minha natureza ser introvertida. Sou o que costumo chamar de falsa extrovertida. Os mais íntimos – que são bem poucos – sabem que sou brincalhona, espirituosa, cínica e cética cada vez mais. Mas, aos olhos de estranhos e de quem tenho pouco contato, mostro-me tímida, arredia, distante.

No passado, fui chamada de metida, exibida, nariz em pé. Tudo por conta da timidez, minha desconfiança nata, minha pouca visão (visão mesmo, naquela época não usava óculos ainda).

Até o ano passado, por cerca de dois anos mergulhei numa crise existencial terrível onde botei na balança toda a minha vida. Questionei escolhas, não escolhas, profissão, amores e meus muitos dissabores.

Senti vontade de jogar tudo pro alto e sair feito o advogado beberrão George Hanson, pegar minha moto e sair pelas vicinais, totalmente sem destino. Mas daí me dei conta de que não tenho moto. Quis bancar Telma & Louise então cai na real pois nem aprender a dirigir aprendi.

Após muito refletir sobre mim, percebi que as correntes que me prendem a realidade são muito mais profundas que meras correntes de aço. As responsabilidades que abraço, os compromissos que tomei para mim durante toda minha vida são laços muito mais fortes que qualquer outro.

Sentia-me presa, acorrentada, amordaçada. Desejava gritar mas não saia som. Brigar mas não tinha com quem afinal, sempre fui cercada por pessoas que me amam e que amo também.

Sempre ouvi dos mais velhos a seguinte frase: Crescer dói.

Achava isso uma tremenda babaquice dos mais velhos. Sempre os critiquei principalmente quando adolescente. Achava-os fracos, chatos, ranzinzas. Não sabiam de nada. Houve até um período em que fui tão avessa a minha mãe que hoje, pensando nela e na sua conduta comigo, não tem como não sentir uma tremenda admiração por sua força, caráter e sabedoria. Ela aguentou firme todos os meus ataques, minhas revoltas, meus achaques. Sonhava em ter como mãe, a vizinha do lado. Nunca ela – que em minha opinião era uma fraca.

Quantos equívocos numa mente adolescente!

Hoje, prestes a completar cinquenta e um anos de vida, rendo minhas homenagens e meu respeito profundo por essa mulher que foi ponta firme para aguentar não só os meus ataques mas dos quatro filhos que, cada um a sua maneira, também foram rebeldes, tiveram suas crises.

No ano passado deixei rolar muitas lágrimas fazendo uma verdadeira lavagem na minha alma. Purifiquei com água e sal toda toxina de meu organismo. Em especial, as toxinas emocionais que é o que mais acabam com nossa alegria de viver.

Ao completar cinquenta anos, foi como se um véu invisível fosse retirado de meus olhos e voltei a enxergar a vida exatamente como ela é: real!

As águas turvas em meu interior se abrandaram e segui minha vida apaziguando erros e acertos. Voltei a sorrir, a ter esperança. a ter desejos de viver.

Viver não mais aquela vida idealizada, perfeita, cor de rosa.

Hoje aceito todos os matizes que a aquarela da vida me proporcionar. Tons nudes, quentes, frios, mesclados, preto e branco.

Aceito hora estar nas alturas sentindo o frio na barriga proporcionado pelas aventuras e alegrias como também aceito os momentos envoltos nas penumbras,nas sombras, nos meios tons cinzentos que a alma me presentear.

Na medida do possível, aceito as pessoas como elas são, aceito o que podem e querem me doar. Continuo na eterna busca da evolução só que agora, não  mais levada pela ansiedade típica da juventude. Não desejo salvar o mundo, muito menos modificá-los. Hoje tenho consciência de que isso não é de minha alçada. Foco em mim sem jamais deixar de olhar para o lado e ajudar o próximo naquilo que me for possível. Não corro mais atrás da visão heroica. Continuo com a mente nas alturas mas com os pés muito bem fincados ao chão.

Tenho aprendido que devemos viver cada dia por vez. Nada de projetar adiante deixando de viver o instante atual. Também tenho aprendido que o passado deve ficar exatamente onde está. Guardado com todo o carinho nas imensas gavetas da memória. Vez ou outra até que é bom abrir, retirar e recordar. Agora, deixar todas elas abertas vivendo na bagunça das inúmeras lembranças se negando a voltar ao presente, não mais! É imprescindível aceitar e fechar os ciclos quando esses se mostram completos.

Sem dúvida que crescer dói!

Tenho aprendido isso na prática. Mas quer saber? Que delícia de dor! E nem coloco aqui a ideia masoquista da dor.

Não! Digo delícia de dor no sentido de que é doendo que vemos nossos músculos emocionais se mexerem, fortalecerem e ganhar força. Somos todos atletas. Conscientes ou não. Amadores ou não. Por conta disso tudo, encerro por aqui meu agradecimento profundo ao dom da vida. Agradeço meus sorrisos ininterruptos, meu brilho nos olhos, meus choros, meus ais, minha rugas que agora começo a colecionar e não dispenso nenhuma. São minhas medalhas ganhas nessa maratona chamada vida!

Pego meu copo cheio de quentão e te convido a pular a fogueira ao meu lado.

Tin-Tin!

“São João, São João acenda a fogueira no meu coração. O balão vai subindo, vem descendo a garoa…”

 

Imagem: Noite de São João

Autor: Assis Costa

Alforria

Minha história é mais ou menos assim:
Um belo de um dia acordei, olhei pro teto ainda no escuro e decidi: não quero mais essa vida! Não quero mais acordar às seis da manhã, fazer meu café, me trocar, pegar o metrô e chegar ao trabalho todo santo dia e fazer as mesmas coisas. Não aguento mais essa rotina! Vou zerar essa minha vida burguesa de classe média.
Levanto. Vou ao banheiro. Estou prestes a abrir o chuveiro para uma ducha quando paro e decido: se quero realmente mudar, devo começar por aqui.

Pra que banho?
Volto pro quarto, boto um jeans, uma camiseta velha, coloco o tênis mais surrado que tenho. Começo a pentear meus cabelos e paro.

Fazer o de sempre Malú?
Desgrenho ele todinho. Olho-me no espelho e gosto do que vejo.

Maquiagem? Nem pensar!
Abro o guarda roupa e analiso. Não vou levar nenhum desses terninhos de trabalho. Não vou precisar mesmo! Sapatos de salto agulha?

Nunca mais! Me dei alforria!

Abro as gavetas de lingeries. A primeira só tem conjuntos rendados, pra lá de cavados. Muito sexy.

Não me servem mais.

Chega de bancar Dita von Teese pra marmanjos que só babam pelos nossos orifícios nas terras baixas. Cansei de ser vitrine.
Abro a segunda gaveta e encontro meus lingeries de cotton. Brancas e beges. Aquelas calçolas imensas que dão arrepios nos mesmos marmanjos. Só que arrepios de horror. Eles as acham horrorosas!

São essas que vou levar.
Numa mochila enfio meus lingeries básicos, meias soquetes, três camisetas e mais uma calça jeans.

É o suficiente.
Dou uma boa olhada em meu quarto. Vejo meus inúmeros vidros de perfumes, meus cremes hidratantes, meus óleos e sais pra banho.

Não me servem mais.
Ligo meu note e redijo uma carta de demissão agradecendo pelos anos de confiança que depositaram em mim, desculpando por sair de forma tão abrupta e impessoal. Como não comparecerei ao escritório para tratar das formalidades que as leis trabalhistas impõem tanto ao contratante quanto a contratada, deixo claro que podem atestar abandono de emprego.
As consequências?

Não me importo.
Aproveito para também escrever uma carta de despedida para todos os meus conhecidos e familiares, os poucos que ainda mantenho contato. Explico que estou bem, que foi uma decisão sábia apesar de parecer loucura e que em breve mandarei notícias de onde estiver.
A única coisa que levo dessa antiga vida é o note e o celular. Vou radicalizar, mas ainda preciso desses instrumentos.

Enfio-os na mochila e saio do apartamento sem olhar para trás.
Fora do prédio sou batizada por uma boa garoa matinal que simboliza meu renascimento e purificação. Deixo para trás o que para muitos é status de sucesso e boas conquistas.
Saio sem rumo certo.

Sigo para a rodoviária do Tietê e lá escolherei um itinerário qualquer. Viverei assim. Um dia por vez. Sem planos, sem compromissos a não ser comigo mesma.

Quero a liberdade plena de escolha. Não importando que elas me tragam dissabores. Fazem parte da vida.

Dessa que por hora optei.