Mudanças

Impressionante como mudamos com o passar do tempo. E que bom que mudamos!

Até os trinta e poucos anos, adorava a estação de outono e inverno. Eram minhas estações preferidas. Algumas das melhores viagens que fiz nas férias, foram para locais frios: Serra Gaúcha, Curitiba, Santa Catarina, Buenos Aires. Sentia um prazer anormal frente às ondas de frio que faziam nessas regiões. Registrei vários momentos felizes sentindo o ar congelante. Os arrepios eram de puro prazer.

Hoje, mais velha, gasta e com as articulações gritando, simplesmente odeio! Caiu a temperatura, já me sinto uma idosa de mil anos. Dores por toda parte, articulações enrigecidas e doloridas. O mal humor toma conta de meu ser. Fico rabugenta por qualquer coisa.

Há três semanas, passei a sofrer de dores constantes no punho direito. Com o passar dos dias, meus dedos também ficaram rígidos e doloridos. A dor, não satisfeita, se espalhou pelo cotovelo e a seguir, o ombro e nuca.

Alongamentos, massagens, sprays para dores não foram suficientes. Marquei médico e iniciei uma série de exames. Fazendo USG, a médica detectou cistos, na lateral do punho. Ela não quis me passar informações sobre o tratamento a se fazer, maiores esclarecimentos, somente meu médico. Cheguei em casa e fui direto para Dr. Google e encontrei artigos médicos falando sobre ele: Cisto sinovial. Achei-o bonito, sonoro, mas não gostei nada de habitá-los em meu punho afinal, minhas mãos são meu instrumento de trabalho e lazer. Xô cistos!

Nesse momento, deveria poupar minhas mãos, contudo, precisava escrever esse desabafo. Envelhecer é uma Merda! Por mais que nos cuidemos, tudo rui, dói, desgasta. Own, desgusting!

Esse texto faz parte do b.e.d.a — blog every day august.


Participam Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Lunna GuedesMariana Gouveia — Obdulio Nuñes Ortega

Imagens: acervo pessoal

Reguladora de minhas vontades

É. Eu sei. Estou ganhando peso. Minhas roupas que o digam. Tudo justo. Outro dia, olhando minha gaveta de roupas íntimas – vulgo calcetas e soutiens -, notei que em breve vou precisar fazer reposição de peças. Mais de quarenta anos usando a mesma numeração e agora, semgraçamente, precisarei aumentar o tamanho. Como já falei anteriormente, bunda em franca expansão. Sim, ela continua se expandindo. Peitos em evolução se esparramando pela avenida, descendo a ladeira. Logo alcança o umbigo. Gordurinhas instaladas no abdômen fingindo-se gominhos de atleta. Pensam que me enganam. Báh!

Eu te digo: envelhecer é foda! Trabalho minhas emoções quase que diariamente para encarar essa nova fase. Ainda trago certa elasticidade o que me garante um pouco de conforto porém, já sinto dores nas articulações que antes nem sabia existirem. Desagradável!

Ontem a tarde, cá estava eu sozinha a mirar minha janela para o nada da cidade, quando bateu uma vontade absurda de comer pão de queijo. Sou viciada. Amo de paixão. Se pudesse casaria com ele. Não. Com todos eles! Doida eu né? Costumo sempre ter em estoque no freezer daquela famosa marca. Fiquei aqui, remoendo a ideia de descer e sair para comprar no supermercado e satisfazer meu desejo. O medo e a preguiça venceram e assim, permaneci quietinha. Mas essa quietude sofria urgências silenciosas que gritavam no estômago. Queria pão de queijo no lanche da tarde. Lá fui eu pesquisar uma receita fácil na internet que sempre nos salva. E me salvou!

Encontrei uma que pedia poucos ingredientes. Após verificar na dispensa que tinha todos, lá fui eu me aventurar a fazer essa delícia pela primeira vez na vida. Torcendo para dar certo para não haver desperdício afinal, tudo está pela hora da morte né não?

Após alguns desastres na cozinha e deixar o espaço em estado de total desordem e sujeira, consegui terminar a massa e colocar no forno para assar. Ansiosa, fiquei maratonando pelo apartamento, enquanto o dito cujo não ficava pronto. Será que vai ficar bom? Será que vou perder tudo? Será que vai dar pra comer? Será, Será, Seráááá…

Só posso dizer que ficaram lindos, fofos, gostosos. Orgulhosa de mais essa conquista. Pensando até em virar empreendedora.

Ao término do lanche, mastigava revirando a bolota em minha boca demorando para descer. Exagerada, comi em excesso. Atolada em queijo, lembrei que minha médica gastro, havia orientado a evitar laticínios e derivados por alguns meses.

Já era! Esqueci completamente dessa orientação. Passei o resto da tarde, adentrando a noite, digerindo o objeto de minha gula intercalando com o amargo da consciência de que a ansiedade tem regulado minhas vontades. Haja estomalina e chá verde para queimar essas gorduras do viver!

Ácida Cacilda

Cacilda, desperta. Seis horas da manhã de terça-feira. Dezoito de janeiro de 2021. Com certa dificuldade, senta-se na cama. Alonga seu esqueleto que range feito seus móveis velhos. Levanta, dá dois passos sentindo dores na sola de seu pé esquerdo. É a tal da fascite plantar.

Pragueja em voz alta pigarreando:

-Envelhecer é uma merda! Ai!

Vai para o banheiro urinar litros desse líquido morno.

-É o que mais tenho feito ultimamente. Mijar, cagar, peidar e sentir dores por todo o corpo. Arrê!

Entrando em seu cubículo chamado cozinha, acende o fogão e põe água para esquentar. Acende seu primeiro cigarro do dia. Puxa a fumaça para dentro de seus pulmões já carcomidos pela nicotina e, solta uma baforada que lhe enche os embaçados olhos de um brilho de prazer…

Ao deitar a água quente sobre o pó de café, o aroma que tanto gosta inunda o pequeno cômodo em que vive. Enche até a borda, uma xícara vermelha com logo Nescafé, que roubou da padaria que frequentava, quando ainda trabalhava. Cacilda sempre foi dada a essa fraqueza: pequenos furtos. Puxa uma cadeira próxima de sua janela do 16 andar. Um dos poucos prazeres é sentar-se pela manhã, acompanhada de sua xícara de café fresco e seu cigarro e observar o movimento de pessoas que pouco a pouco, tomam conta da rua em que mora. Aprecia olhar as janelas do prédio em frente e ver a rotina de seus moradores que – na pressa em se aprontarem para o trabalho -, nem imaginam serem alvo da curiosidade de uma velha moradora. Enquanto beberica sua dose de cafeína, entre uma tragada e outra, fala em voz alta:

– Ando mais ácida que limão siciliano. Sempre procurei ver o lado bom de tudo. Confesso que esse ano não estou tendo olhos para isso. Devo estar sofrendo de opacidade da retina da alma. Por onde passeio meus cansados olhos, só vejo merda. Peguei ranço da humanidade. Inclusive da minha que desandou em pensamentos impuros sobre tudo e todos. Mandei Pollyana pra puta que a pariu faz é tempo e ando tomando minhas doses com Bukowski e Hank Moody. A vida tomou um rumo sem me pedir permissão. Estou até agora pensando: Onde foi que errei? Nunca ferrei com ninguém. E olha que tive muitas chances e criaturas que mereciam minha rasteira. Contudo, meus valores jamais permitiram que assim agisse. Sempre procurei ser correta e muitas vezes sofri tropeços por conta de alguns pés em meu caminho colocados de forma mal intencionadas. Caía, levantava, chacoalhava o esqueleto dolorido e seguia em frente. Vingança? Deixava pra lá. O Universo que se encarregue disso lá na frente.

Desconfio que Deus se vingou de mim por ser tão otária. Chego a ouvi-lo rosnando : Deixa de ser besta mulher! Acorda pra vida que ela não é rosa não. Muito menos roteiro de novela global.

Completo hoje 69 anos e acordo para uma dura realidade. O que tenho presenciado e ouvido não me agrada em nada. Por conta dessa contrariedade, refugiei-me na criança pura que fui um dia e me recuso a sair de dentro dela. Só que está penoso mantê-la presa a essa velha amarga que me tornei. Não é justo com alguém que sempre me confortou, causar tamanho sofrimento. Por isso choro. O sal que escorre por minha derme repleta de manchas senis, não arde mais que o sal que escorre dentro, me corroendo a alma. Perdi a virgindade dela. Transforme-me num ser humano comum. Olho-me no espelho e o que vejo não me agrada. Não são as rugas e marcas de expressão que me atormentam. Não são as pálpebras flácidas e caídas que incomodam. Não é o vinco fino e fechado de minha boca – que outrora soube sorrir -, e que agora se lacra diante de tanta feiura mundana. É o que enxergo além do espelho. Transformei-me num monstro horrível!

O mergulho nesse lodaçal interior é doloroso. Fede. Anseio retornar à superfície e respirar um ar menos denso mas não dá. Sinto-me presa no fundo de mim mesma. Como fugir de nós mesmo? Como ignorar o que se é de fato? Lembro de minha terapeuta que cuidou de mim por quinze anos. Tento gritar por seu nome mas nenhum som sai dessa boca lacrada e garganta paralisada. Meu peito estufa ansiando por oxigênio porém, somente os gases emitidos pelo enxofre que me rodeia alimentam meus pulmões. Que pesadelo meu Deus!

A campainha toca trazendo Cacilda para a realidade. Bebe o restante do café- agora frio -, fazendo uma careta, finaliza o cigarro que já se encontra no toco apagando no chão. Gira a chave e abre a porta visualizando a figura detestável de seu vizinho Germano.

-Bom dia dona Cacilda. Falando sozinha de novo? Deve ser o “Alemão” rondando hein? Precisa se cuidar

-Vá se foder viado do caralho! – despeja com acidez, batendo a porta na cara do vizinho que apenas desejava ser atencioso com uma velhinha tão solitária quanto ele.

Imagem licenciada: Shutterstock

Programação alterada

Tarde de sábado. Sinto como se estivesse estirada em uma grelha de churrasco. A carne a tostar – no caso, sou eu. Esse calor anormal que invadiu a cidade de São Paulo em pleno final de inverno está me prostrando.

Programei minha manhã para dar umas voltas pelas ruas em torno de minha residência. Sair um pouco do casulo que se transformou meu apartamento. Planos: ir até a farmácia de produtos naturais comprar geleia real e conhecer a feira livre, na rua paralela a minha.

Envelhecer é isso! Outras coisas passam a ser prioridades e aguçar nossa curiosidade. Quando que em minha juventude, conhecer novas feiras dos bairros seria programa matutino do sábado?

E a tal da geleia real? De nova pensaria em correr atrás e consumir essa gororoba das abelhas, em jejum pela manhã para fortalecer o sistema imunológico? E esse palavrão então? Na mocidade (hum, isso também é frase dos mais velhos), minha preocupação era tomar coca-cola, posar de fumante e paquerar. Muito!! Era tão bom paquerar! Nem sei mais como se faz. Esqueci.

Esquecimento também faz parte dessa nova fase. Para quem se gabava em ter uma memória de elefante, ultimamente esqueço até mesmo de escovar os cabelos. Depilar então, ficou no passado de mulher que está com tudo em dia. Meu empoderamento hoje é manter a saúde. E olha que a cada dia que passa, essa tarefa é das mais difíceis. Diria, hercúlea!

Agitação, aglomeração, faziam minha alegria na adolescência. Ver gente, estar com gente, encostar em gente! Era tudo de bom! Hoje, quero mais é distanciamento de gente. Reunião, só se for pelo Google meet, Zoom e afins. Encostar em mim, só se for álcool em gel. Bafo no cangote, somente do ventilador me refrescando as ondas de calor da menopausa.

E a essa altura da vida, passei a gostar até mesmo de caldo de pés de galinha. Uma iguaria dos Deuses! Além de saboroso, ajuda nas dores das tais “juntas” que enferrujam com o passar do tempo. Ah…Maldito tempo, que passa numa velocidade….ZÁS!!! Passou e esqueci o que ia complementar. Esquece.

Resumo da ópera ( que antigamente dizia ser programa de veio): envelhecer é simplesmente alterar a programação. Mas quer saber? Bendito seja os que conseguem chegar à terceira idade pois viver, mesmo que de forma limitada, ainda é o melhor programa!

Um entre tantos por aí

Ele reinou soberano entre as mulheres. Sempre foi assim e, pelo visto, será até chegar o dia de se aposentar dessa vida. A presença masculina nunca foi o forte em sua existência. É claro, teve pai, irmãos, primos. Contudo, a presença feminina foi marcante em seu dia a dia. A mais forte foi, sem dúvida, sua mãe. Mulher de atitude. Bonita a sua maneira. Não foi mulher de vaidades. Gostava de andar descalça, sentir a terra, esfregar a sola ressecada na canela e assoviar enquanto realizava as atividades do lar. Sempre alegre. Tinha também seus momentos de histeria e nervosismo. Seu marido, ralhava por não manter uma pose de mulher casada e séria. Gargalhando, saía rebolando e sempre respondia:

-Quem quiser falar de mim à vontade, pois quem fala por trás, o cu é quem escuta.

Ele, às escondidas para seu pai não ver, ouvia e saía sorrateiramente para o paiol da casa com um tímido sorriso pela ousadia e vitória de sua mãe. Sua adorada mãe.

A companhia constante dela moldou seu espírito simples, trouxe-lhe doçura e simplicidade. No entanto, seu pai teve um peso imenso e o engessou com orientações religiosas que fizeram dele, eterno infeliz. Amedrontado pelas idéias de pecado e tormentos no inferno, não ousou sentir prazeres.

Trabalhar, trabalhar e trabalhar sem se perder em coisas materiais. Esse foi o lema assumido e seguiu sem refletir se era o certo. Tinha de ser afinal, seu pai rezou por essa cartilha também!

Transformou sua existência num grande discurso de amor ao próximo. Todavia, foi incapaz de tolerar as diversidades na própria família. Que ironia!

Não permitiu se apaixonar. Cerziu o coração para o amor de uma mulher. Tão pouco deixou fresta para um amor homossexual. Deus castiga!

A vida passou, a juventude também. A maturidade trouxe o endurecimento das articulações e de seu coração.

Não casou, não teve filhos, não cultivou amigos e os poucos que fez, morreram.

A solidão é sua companheira constante. É ela que lhe faz companhia da hora que acorda a hora que cerra novamente os olhos numa fuga insana para o mundo dos sonhos. De onde não deseja mais regressar.

Imagem licenciada: Shutterstock

A arte de persistir

O eco das vozes ensurdecem minha alma calejada pelas dores. Vomito a indignação de tantas vidas caladas de forma abrupta e violenta.

Fomenta em meu espírito, um princípio de revolta que se afoga nas lágrimas que teimam em descer.

O alvorecer promete algo melhor do que vivenciamos ontem.

Antes de me levantar, agradeço a dádiva da vida. Da minha vida. Mesmo lamentando as tantas que pereceram.

Continuar a enxergar a beleza da existência humana está se tornando tarefa das mais árduas para as almas do século vinte e um. Venço pela teimosa!

E enquanto teimo, envelheço e deixo aqui um trecho do poema Envelhecer, do livro Com a maturidade fica-se mais jovem, de Hermann Hesse. É o finalzinho que super me identifiquei:

Para os velhos é bom e são/Borgonha tinto ao pé da lareira/E depois uma morte ligeira – Porém só mais tarde, hoje não!

Imagem free: Negativespace

Maturação

pilatesroseli

Observar a juventude se esvaindo

Manter a mente e espírito jovem

Não  infantilizada

Remoçada nas linhas de raciocínio

Ar refrescado por novos aprendizados,

experiências, vivências

Permitir-se.

Envelhecer é voltar as costas ao novo

ao não testado.

Envelhecer, é voltar-se para dentro das entranhas

e nela – deixar-se apodrecer pela inércia

Percebo meu corpo perdendo a

elasssssssticidade

A derme ganha dia a dia flacidez

Luto para manter a postura reta

envergar, somente a alma para alcançar o inalcançável

Pilates, Yoga, meditação, alimentação natural

Num mundo de industrializados, mantenho meu

foco na terra, no adubo, na criação da natureza

Essa é a verdadeira beleza!

Hidrato a pele e, em contrapartida,

ela ganha manchas senis

Teimosas, desejam demarcar território

provando que muito vivi