(Adriana Aneli)
Em meio ao sufoco de um vagão do metrô em pleno horário de rush, lembrei de como nos conhecemos. Reconheço que de imediato, pensei: se cruzasse com esse homem num bar, não olharia duas vezes.
A vida muitas vezes nos prega peça e ainda senta no camarote vip para rir da gente. Observando nós dois nesses anos, ela deve ter se divertido a valer com nossas idas e vindas, brigas quase toda semana, desaforos cruzados e calmaria por meses. Troca de carinho, conversas estendidas pela madrugada, promessas de nunca mais brigar. Bastava a rotina se instalar entre nós e…Começava tudo de novo…
Te abandonei inúmeras vezes, jurei pra mim mesma partir para outra, porque nosso lance já nascera condenado ao fracasso. Conheci outros corpos, você não fez por menos. Bastava eu te ver cercado por alguma “perua” e meu sangue fervia. Primeiro por orgulho de ter sido passada para trás. Depois vinha a raiva em ver que você havia me esquecido rápido. A seguir, a saudade e indignação de imaginar que ao seu lado estaria outra mulher e não eu. Você também teve rompantes ao me ver cercada por outros. Sendo cortejada, desejada, alvo do tesão de outros olhares masculinos. Isso feriu sua masculinidade. Senti prazer ao te ver sofrer!
Madura, tomei a iniciativa de procurar terapia. Foi o que me salvou. Trabalhei arduamente várias questões que me tornava infeliz, inclusive, esse sentimento alimentado por você. Não era normal. Numa dessas encruzilhadas da vida, tornei a te encontrar e dessa vez, foi diferente. Ambos estávamos ressabiados, sem graça, sem saber onde colocar as mãos, o que dizer, como dizer. Optamos por trocar apenas amenidades, perguntar da família, dos amigos, do trabalho evitando entrar em terreno pantanoso de nosso passado. Café tomado, troca de telefones (novos), desejo de felicidades e tchau…Até nunca mais!
Nunca mais brigas, nunca mais estresse, nunca mais ciúmes, nunca mais… Ai, assim também já é demais. Decidimos num acordo sem palavras, viver o resto de nossas vidas conversando muito, indo a cinemas, teatros, shows de cantores e bandas em comum e na calada da noite, assoprar as feridas ocultas que cada um carregava. Sexo? Nunca mais mesmo. Septuagenários, passamos mais tempo conversando e disputando quem tem mais dores pelo corpo e aconselhando novas terapias alternativas. Nunca mais perdemos tempo com tentativas vãs de contorcionismos exibicionistas da juventude. Chegamos ao ápice da maturidade e nos demos de presente a leveza de descer ao play para brincar, se divertir, azarar um com o outro e, ao término, trocas de beijinhos a distância afinal, vivemos em cidades e casa de repouso distantes uma da outra. Nosso caso poderia ter sido diferente? Pode apostar que sim mas, quer saber? Não nos arrependemos de absolutamente nada do que fizemos ou deixamos de fazer. Vivemos o agora e se o Todo Poderoso nos chamasse e desse uma nova chance, faríamos tudo igual só para podermos ficar como estamos agora, se divertindo criando avatar de nós mesmos e trocando mensagens: engraçadas, animadas, desbocadas.
Outro dia ele me fez rir muito mostrando suas pelancas, até passei mal e a cuidadora ralhou comigo. Comentou que estou ridícula agindo feito adolescente. Tive cólicas de tanto rir e fui parar no P.S. Ao ser interrogada pelo médico de plantão sobre o que causou a crise de riso, de olhos brilhando respondi: Doutor, o senhor ainda é novo. Rir é bom mas pode causar uma overdose e caso aconteça, deixe ela me levar porque morrer assim, deve com certeza deixar o caixão mais leve, quase uma pluma…
“Estação República, acesso a linha Verde e Vermelha”…
Moça, vai descer? Se não por favor dê passagem, credo parece que tá sonhando!
Esse texto faz parte da blogagem coletiva Blogvember. Participam comigo:
Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins
Imagem: Pixabay