BEDA – Topázio azul

A palavra surgiu em minha mente feito neon reluzente. Indaguei a mim mesma o porquê e não obtive resposta. Passei o dia a todo momento com ela surgindo em meus pensamentos. Decidi ler a respeito e me surpreendi.

Segundo a mitologia grega, essa pedra reúne os deuses do céu e da terra, previne o portador contra falsos amigos, bruxarias e mau-olhado. Seus efeitos terapêuticos auxiliam em casos de inflamação no pescoço, nariz e garganta. Melhora dores de cabeça. Protege as vias respiratórias e o pâncreas. Atua em nossa psique despertando nossas capacidades musicais e é considerada pedra da sorte para artistas em geral. Indicado para esclarecimentos de ideias confusas, inspiração, clareza, limpeza, calma, sono, sensação de valor próprio.  Aumenta a capacidade telepática, a felicidade e o bom humor.

Tais informações me deixaram pensativa. Passei a manhã refletindo sobre esse “despertar” interior que minha psique desencadeou. Sempre fui espiritualizada. Desde pequena possuo uma intuição afiada que me livrou de muitas enrascadas. Um sexto sentido que soa quando algo me preocupa ou me coloca em risco. Se for contar cada situação que já vivi, os mais céticos poderão achar que é papo de pescador. Por isso mesmo, guardo para mim essas experiências. Pode ser que as transforme em histórias fantásticas e reúna num livro podendo se transformar num sucesso. Não tinha pensado ainda nisso… Olha só meu geniozinho interior se fazendo presente novamente!

Enfim, paro por aqui caso contrário, poderão pensar que não tenho todos os parafusos bem fixados. Quer saber? Acho que não tenho mesmo. Isso é maravilhoso afinal, escritor que se preze não deve ser normal, coerente, sereno. É necessário essa avalanche emocional para que tenhamos matéria para nossos escritos. No entanto, acho que vou agora mesmo à procura de uma pedra topázio azul e transformá-la num pingente que permanecerá em meu pescoço enfeitando e me protegendo. Ao mesmo tempo, espero que me dê um pouco de equilíbrio nesse tão tumultuado mundo em que vivemos. Afinal, as energias andam bem estranhas por toda parte e compete a nós, encontrar o equilíbrio para que não nos deixemos levar para o fundo do poço. Tudo é válido para encarar esse bicho papão mais conhecido pela alcunha de realidade.

Esse texto faz parte da blogagem coletiva BEDA Blog Every Day August

Participam comigo:

Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega Nuñes – Suzana Martins

Imagem licenciada: Shutterstock

BEDA –

Ter amigo de verdade e não seguidores de uma rede social, está se tornando artigo raro. Fazer amigos e manter essa amizade por anos, virou comportamento jurássico. A impressão que tenho é que a humanidade perdeu essa qualidade tão peculiar nos “animais racionais”.

Eu posso dizer com toda segurança que tenho amigos de verdade. Daqueles que mesmo na distância, são fiéis companheiros e estão sempre com disposição de ajudar caso precise. E quando digo ajudar, não significa auxílio monetário mas sim, ofertar o ombro para nos ouvir, aconselhar, chorar junto se preciso for. Mas também se unir e dar muitas risadas espontâneas por qualquer bobagem que se diga. E há momentos em que se é necessário falar bobagens, contar piadas, afinal, são tempero importante para dosar e equilibrar nossas vidas. Viver não pode se fiar apenas em trabalhar e pagar contas. Não mesmo!

Podem acreditar, minha vida é colorida por todos os tons do arco-íris porque a luz e a variedade do matiz da paleta é infinita.

Esse texto faz parte da blogagem coletiva BEDA Blog Every Day August

Participam comigo:

Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega Nuñes – Suzana Martins

Imagem licenciada: Shutterstock

Quinta das especiarias – O doce da infância

Atualmente, as famílias sem tempo nem paciência, quando resolvem dar uma festa, contratam empresas especializadas que planejam passo a passo, todo o cardápio.

Quando criança, a expectativa de uma reunião familiar, casamento ou aniversário, mobilizava a todos. A cozinha se transformava em linha de produção e, desde a véspera, a movimentação era grande. A alegria em participar dessa engrenagem, acontecia na mesma proporção.

Hoje, relembrando, muitos pratos típicos que faziam nossa alegria, caíram no esquecimento sendo substituídos por outros, de aspecto perfeito, gostosos mas, industrializados. Trago lembranças de alguns sabores que talvez, sejam mais saborosos por conter o ingrediente: saudade.

Protagonista ao lado dos bolos, as balas de coco faziam a alegria de todas as festas de aniversário e casamento, sempre ostentando sua vestimenta característica: papel crepom franjado Dava gosto admirar as bandejas dispostas na mesa com as franjas caindo, formando uma saia. Mais gostoso ainda, era surrupiar uma delas, sair correndo e se lambuzar, sentindo a bala se desmanchando na boca. Quando criança, ficava de olhos vidrados, observando a destreza com que a tia manuseava a massa. A substância incolor colocada na bancada de granito, após amornar, recebia puxadas numa atividade braçal incrível. A massa aos poucos, ganhava a coloração branca perolada que me fazia salivar.

(Trechos de Puxadas adocicadas, texto do livro Quinta das Especiarias)

Você está convidado a participar do lançamento online de Quinta das Especiarias, pelo selo Scenarium Livros Artesanais, sob a batuca talentosa de Lunna Guedes.

Para conseguir seu convite, solicite: scenariumplural@gmail.com

Para comprar seu exemplar acesse aqui

Dia: 27/11/2021

Horário: 17h

Quinta das especiarias – Made in Bahia

O que move minha escrita? Fiz essa pergunta muitas vezes. Acredito não ter uma resposta definitiva, talvez, a emoção seja o gatilho para eu sentar de frente a tela de meu note, sentir e pensar numa estrutura daquilo que desejo expressar.

Está certo que nem sempre sigo o roteiro. Sou indisciplinada, pelo menos no que se refere à escrita.

Ao iniciar a oficina de crônicas, promovido por Lunna Guedes, decidi narrar situações que incluem a culinária e o mundo rico de uma cozinha. Amante de livros e filmes que abordam a temática, optei por dar minha contribuição. Foi um mergulho em momentos vividos ao lado de mulheres incríveis. Retornei revigorada de cada narrativa e lembranças.

Ela chegou de longe trazendo no peito, o calor de sua terra natal. Trouxe na bagagem, uma vontade imensa em aprender. E assim o fez. De criança, ajudou seu pai no bar da família. Mocinha, aprendeu o ofício de cortar cabelos e todas as técnicas de embelezamento feminino. Montou seu salão e, por muitos anos, trabalhou intensamente conquistando uma clientela fiel. Não parou por aí. Com sua curiosidade nata, aprendeu a costurar, a manusear uma máquina de fazer roupas em tricô. Se transformou numa artesã talentosa. Contudo, na cozinha ela impera até hoje. Aprendeu a fazer pratos de sua amada Bahia, nos apresentou a farofa de feijão de corda e outros pratos típicos. A família paulistana — que a recebeu de braços abertos — se rendeu às suas mãos talentosas.

(Trechos de Made in Bahia, texto do livro Quinta das Especiarias)

Você está convidado a participar do lançamento online de Quinta das Especiarias, pelo selo Scenarium Livros Artesanais, sob a batuca talentosa de Lunna Guedes.

Para conseguir seu convite, solicite: scenariumplural@gmail.com

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Dia: 27/11/2021

Horário: 17h

Quinta das Especiarias

Por alguns meses, revirei minhas gavetas da memória, em busca de momentos marcantes ao lado de mulheres que foram fundamentais em minha formação. Encontrei tantas lembranças boas que ficou difícil selecionar quais escolheria para fazer parte de um projeto literário.

Menina mirrada, sardenta, de olhos e alma inquietas. Atenta a tudo o que acontecia ao redor. Memória infalível, fui aos poucos, criando catálogos íntimos de situações e emoções que moveriam meu ser.

Sou eternamente grata a essas mulheres com as quais convivi e que me proporcionaram experiências e aprendizados. Foram tantas…

Enquanto escrevo esse texto, me vem a lembrança de uma vizinha que foi marcante em meu aprendizado: dona René.

Mulher de seus quarenta anos, cabelos castanhos claros, sorriso permanente e um olhar atento e ao mesmo tempo, ternos. Refinada sem ser esnobe. Uma verdadeira lady!

Fui babá de seu único filho, Alexandre. Esse, grande parceiro de brincadeiras de meu irmão Ricardo.

Foi com sua paciência e boa vontade em ensinar, que aprendi a fazer o arroz e feijão. Isso, levei para minha vida.

Quando a observava na cozinha, conduzindo o almoço, ficava encantada com suas habilidades. Sempre me orientando, mostrando e me fazendo executar na prática, o correto em cada prato a se preparar. Depois que a família se mudou para Ribeirão Preto, perdemos contato.

Foram lembranças como essa, que separei e transformei em crônicas afeto-gustativas. Junção perfeita para relembrar momentos que ficaram para sempre e eternizaram pessoas queridas que já se mudaram desse plano.

Você que me lê, está convidado a participar do lançamento online de Quinta das Especiarias, trabalho lindo escrito e ilustrado por mim, confeccionado pelo selo Scenarium Livros Artesanais, sob a batuca talentosa de Lunna Guedes.

Para conseguir seu convite: scenariumplural@gmail.com

Para comprar seu exemplar acesse aqui

Dia: 27/11/2021

Horário: 17h

Espero vocês por lá para juntos, passarmos momentos de alegria.

Nua

Há uma semana enclausurada em meus 42 metros quadrados sem direito a uma varanda gourmet. Minhas camisetas já estão mais justas e os músculos flácidos. Isso não é por conta do confinamento, é preguiça mesmo contudo, sei da necessidade de me exercitar. Ontem a noite percebi que alguns produtos básicos se encontravam no fim. Pensei: vou encomendar pela internet e eles me entregam.

Três grandes supermercados estão congestionados sem previsão para entrega. Bateu desespero.

Despertei por volta das sete horas e fui correndo tentar fechar uma compra num dos supermercado. Sem previsão de entrega. Nos três. Em minha rua, a poucos metros do meu prédio tem um supermercado, na rua paralela outro e mais a frente outro. Em minha rua tem padaria, farmácia, lojas. Todas fechadas com exceção da farmácia e do supermercado.

Fui protelando a hora de descer e fazer de vez as compras. Uma insegurança em colocar os pés para fora do meu apartamento. Pensei: ah, o que tenho aguenta mais uma semana. Não vou.

No entanto, uma semente do desespero abriu fendas em minha alma. Me troquei, peguei a bolsa, sacolas e desci para a rua. Vazia, estranha, desconhecida. Nem as putas da esquina se encontravam fazendo ponto.

Fui num fôlego só. Cheguei ao mercado, peguei o carrinho e saí desembestadamente pegando todos os itens necessários de minha lista. Os demais clientes, assim como eu, encontravam-se calados, olhar assustado, desviando seu carrinho do meu, ninguém ficando junto num mesmo corredor. Uma coreografia interessante. Um acordo mudo entre todos. Sorrisos tímidos sem mostrar os dentes de medo do tal vírus. Olhos baixos ou fixos nas mercadorias desejadas. Claro, não encontrei álcool. Somente os destilados enfileirados em suas gôndolas. Solitários. Fiquei tentada em fazer um estoque para me ajudar a passar as horas. A lógica superou a loucura e deixei-os de lado. Já me encontrava tempo demais fora de casa. Mais uma vez, bateu desespero. Tenho certa idade, meus cabelos platinados podem chamar a atenção do vírus, encontro-me fora de forma, estou sozinha… Foram tantos pensamentos desordenados a poluir minha mente que corri para o auto atendimento. Não queria nem chegar perto da moça do caixa. Coitada. Pelo que pude observar, ela silenciosamente me agradeceu a escolha. Reconheci o medo em seus olhos também.

Registrei as mercadorias, paguei, organizei as três sacolas lotadas em meus ombros e saí em disparada rumo à segurança de meu lar. Ao aguardar o semáforo abrir para o pedestre, dois sem teto se aproximaram pedindo ajuda para comprar algo para comerem. Vergonhosamente, disse não ter dinheiro e comecei a orar para que o sinal abrisse. Um deles se afastou mas o outro ficou emparelhado comigo, dizendo impropérios, me chamando de velha sovina, desejando que o tal vírus me acolhesse a alma não cristã. De olhos embaçados, atravessei a rua correndo risco de atropelo ou possível queda. Subi onze andares carregando o peso das sacolas e de minha alma encolhida, quase uma ervilha.

Ao girar a chave, deixei a realidade lá fora. Despi por completo e, nua, levei as roupas para a máquina de lavar, joguei o tênis no tanque, e corri para o chuveiro onde pude finalmente, deixar as lágrimas represadas virem à tona misturando-se à água do chuveiro. Soluços, engasgo, vergonha da minha humanidade tão mesquinha e medrosa.

Aos poucos, me acalmei. Consciente da água desperdiçada, levantei do chão, fechei o registro, me enrolei na toalha. Ao longe, ouço a voz potente da nossa “Pimentinha” cantando a oração do momento:

Se eu quiser falar com Deus, tenho que ficar a sós/Tenho que apagar a luz…Tenho que ter mãos vazias/Ter a alma e o corpo nus…

Enquanto organizo os mantimentos na dispensa, constato a falta de um item: Droga, que merda, esqueci do café!

Deus!!! Olhai por nós!

Impermanência

Mais uma manhã chuvosa a decorar minha janela. Sozinha, porém não solitária, sento e sinto necessidade de escrever algo. Não tenho ideia mas o desejo bate forte e me entrego.

Enquanto olho pela janela buscando inspiração, ouço cá dentro, as lamúrias do fado no CD de Mariza, Concerto em Lisboa. Bate uma saudade da terrinha lusitana. Já faz tanto tempo que por lá estive. Gosto de fado. Remete-nos a uma melancolia que considero boa. Vem do fundo da alma algo que não conseguimos detectar e que aquece o espírito. Após um tsunami emocional, encontro-me essa semana em paz comigo mesma e com o Universo. Terminei algumas leituras – de lazer e de estudos -, e retomei a leitura do livro de Lya Luft, O silêncio dos amantes.

O primeiro conto que li ontem à noite, antes de dormir, lembrou-me o sobrinho/filho que viajou para outra esfera. Confesso que abriu uma cratera funda de saudades de nossos papos e convivência que tivemos. No entanto, não fiquei triste. Apenas saudosa de um tempo que ficou para trás. Transformou-se em história de vida.

Estômago gritou alertando-me que já era hora do almoço. Lembrei do programa da Ana Maria Braga, pela manhã mostrando um chef ensinando os marmanjos globais a preparar uma carne moída. Achei graça.

Preparo desde criança, quando aprendi com minha avó e mãe, a arte de cozinhar. Os olhos atentos de todos me trouxe à reflexão, o quanto se perdeu da espontaneidade de um simples preparo de uma carne moída.

Abri minha geladeira e de imediato, optei pelo que tinha: filé de tilápia e bolinhas de espinafre congelados. Bingo! Decidi preparar o peixe grelhado e como acompanhamento, creme de espinafre. O arroz já tinha pronto. Era só esquentar. Em minutos, meu prato estava perfumado e saboroso!

Após almoço, satisfeita, saio para a rua. Chega de reclusão. Caminho alguns passos sentindo o ar gelado a queimar meu rosto e me encolho no agasalho pesado. De mãos aquecidas no bolso do casaco, olho de soslaio os inúmeros moradores de rua encolhidos debaixo de cobertores ralos ou papelão. Sinto vergonha por minha roupa boa e tão aquecida, meus calçados de marca e meu teto financiado porém, quentinho. Saí com a intenção de comprar alguns itens de supermercado que zeraram em minha despesa. Contudo, o olho gordo de consumidora que tento domesticar, compra guloseimas desnecessárias e retorno com a sacola lotada. Ao cruzar novamente com esses moradores das calçadas, envergonho-me mais ainda. Uma vontade imensa de sentar ao lado e chorar misérias alheias. De olhos marejados, tropeço e quase caio em cima de um dos pobres que, achando uma afronta minha, esboça um palavreado nada agradável. Lágrimas de indignação caem molhando meu cachecol peruano. Corro para o prédio, meu porto seguro diante de tantas mazelas humanas que compõe o centro velho de São Paulo.

Agora, ao som de Mornin’, na voz de All Jarreau, continuo mirando minha janela acompanhando o tempo se fechar entre nuvens carregadas e enegrecidas. Vem mais chuva e frio. Mastigo sem sentir o sabor do bolo de cenoura que comprei e quase nem sinto mais o aroma do café recém passado. Nas retinas de minha alma, permanece a imagem dos desvalidos que a cada dia aumenta nas ruas de nosso tão judiado país. A garganta se fecha diante da notícia que leio sobre a (mais uma) lamentável fala de nosso atual representante sobre o trabalho infantil.

Agarro-me à Pessoa e seus inúmeros heterônimos que me fazem companhia na xícara de café que trouxe de souvenir de Lisboa lembrando o início de Tabacaria:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é…

E tudo isso porque me deu vontade de escrever e nem sabia o quê.

Imagem: Arquivo pessoal

Trilha sonora de uma existência

Imagem licenciada

Quando a vida pesa demais, ouço música. Quando ela sorri para mim, comemoro ouvindo e cantando. Para dar conta das tarefas domésticas, som na caixa maestro.

Devo ouvir música desde o embrião. Meus pais sempre ouviam rádio e meu pai em especial, adorava boleros, tangos, salsas e chorinhos.

Em minha casa, durante a infância, podia faltar mantimentos no armário mas música jamais.

Cresci acumulando trilhas sonoras das mais variadas. Na infância, a turma da Jovem Guarda. Não perdia um programa e sabia cantar todas as canções e a coreografia da turma do Roberto. Mais tarde na adolescência, descobri as canções internacionais cantadas primeiro na vozes dos brasileiros Christian, Mark Davis, Tony Stevens e Morris Albert. Sabe quem são? Mocinha, em meados de 1977, no antigo ginásio, meu primeiro estremecimento musical: Pink Floyd. Ouvir o som do LP The dark side of the moon foi para aquela menina magricela, o primeiro divisor de águas sonora. Extasiei-me!

No ano seguinte, outro impacto. Esse, me causa arrepios até hoje: A night at the opera, da banda inglesa Queen. Pode parecer clichê mas, quando ouvi pela primeira vez Bohemian Rhapsody, simplesmente paralisei. A princípio não compreendi o que era aquela música mas, a necessidade de ouvi-la mais vezes me levou a atravessar a passagem da galeria onde trabalhava e entrar na loja de disco para perguntar que música era aquela e quem a cantava.

Trago ótimas e carinhosas lembranças desse período. A amizade com os rapazes de lá e os discos que fui colecionando ao longo dos anos, foram muitos. Infelizmente, as pessoas se foram. Alguns se mudaram de cidade, outros partiram dessa esfera, outros, simplesmente evaporaram no ar. Nunca mais tive notícias. Restaram as lembranças que são muitas e os LPs que, mesmo amarelados pelo tempo, estão em perfeito estado e tocam que é uma beleza!

Fã ardorosa que me tornei, a espera por cada trabalho novo me deixava com uma palpitação boa. Trabalhava com gosto para ter um dinheirinho extra para comprar e aumentar minha coleção. Depois, claro, vieram muitos e muitos grupos musicais e cantores que fui descobrindo e me apaixonando pelo som que faziam.

No âmbito musical brasileiro, a descoberta de Elis Regina foi outro momento marcante. Que voz e interpretação era aquela? Trago em minha coleção basicamente toda obra que a doce “Pimentinha” lançou em vida. Que primor! Na mesma época comecei a comprar também os discos da desvairada “Ovelha Negra” Rita Lee. Identificação total com sua porralouquice. Mesmo que eu demonstre por fora ser uma pessoa clássica e reservada, meu instinto animal é roqueira e ela, representa maravilhosamente o rock brasileiro. Ainda mais na pele de mulher. Identificação total.

E o que dizer da minha descoberta e ingresso na música clássica? Mais nova, achava ópera e música instrumental uma chatice só. No entanto quando despertei para a beleza e riqueza delas, mergulhei fundo e fiz minha coleção com todos os compositores e suas obras. Um dos que mais me impactou foi Mozart com sua obra Réquiem em ré menor. O que é aquilo? Foi o que pensei ao ouvir pela primeira vez. Dormi muitas noites ao som desse réquiem. Que virtuose! Que talento para compor algo tão belo!

Independente de ser uma missa fúnebre, ela não me entristece. Pelo contrário, ela me leva para lugares que somente uma música pra lá de perfeita pode te levar. Não tenho nem palavras para descrever o que sinto ao ouvi-la.

Depois vieram tantos outros como por exemplo, Astor Piazzolla. com seu sofisticado bandoneon, a descoberta do jazz através do trompete de Chet Baker e Miles Davis, das vozes femininas do jazz como Billie Holiday, Nina Simone… Nossa são tantas que merece uma outra e única postagem até mesmo para falar de minhas mais recentes descobertas.

Enfim, não consigo conceber uma vida sem trilha sonora. E pensar que há pessoas no mundo que não ligam para música. Tenho dó. Suas vidas devem ser bem mais pobre do que a  minha. Que aliás, de pobre não tem nada a não ser a conta sempre no vermelho mas isso… Ah, isso é outra história! Minha moeda de troca é a arte na qual a música está inserida, é meu tesouro que ninguém rouba. Essa levo comigo.

Vida marvada!

Preciso disfarçar melhor. Está muito evidente minha condição. Sei que não é correto muito menos profissional mas… Ai como é difícil! Mergulho minhas mãos uma na outra esfregando de forma inquieta dando a impressão que me aqueço nessa tarde fria de outono. Só eu sei que é uma busca ineficaz de me manter aqui. Já levantei diversas vezes, fui à janela na vã esperança de que a paisagem urbana me traga de volta. Não posso sair daqui. Faço parte disso tudo. Esse silêncio de vozes onde somente o tec!tec!tec de dedinhos nervosos feito os meus se ouve, isso causa uma reação dormente em mim.

tec!tec!tec!tec – irritada levanto e sigo para o banheiro. Abaixo a tampa do acento e, num gesto lento, sento apoiando o rosto entre as mãos. Fecho os olhos por alguns segundos.

O suficiente para ser interrompida por alguém que de fato está necessitado. Dou descarga, abro a porta e saio sem nem mesmo olhar quem bate à porta. Foi horrível de minha parte, eu sei, afinal, sempre levanto a bandeira da sociabilidade corporativa.

Foda-se! Hoje não estou pra ninguém. Decido dar uma volta pelos corredores. Não desejo voltar para minha baia. Não agora. É. Já sei. O serviço acumulado me espera mas – por hora, preciso de ar. O poluído mesmo e não o condicionado. Desse meus pulmões estão saturados. Penso, enquanto subo as escadas, nas inúmeras contas vencidas repousando em meu criado mudo que grita diariamente: Precisa pagar!Precisa pagar!

Foda-se 2. O dinheiro está curto, os juros dos cartões estão pela hora da morte e até meu desencarne – por hora, encontra-se em suspenso. Não tenho seguro de vida e acho sacanagem deixar as contas do enterro para familiares e amigos. Até mesmo porque, são todos feito eu, fodidamente duros. Oh vida marvada!

Hoje, decididamente não estou num bom dia. Senti isso assim que abri os olhos em plena 4h32 com o zumbido de um infeliz pernilongo a me perturbar. Irritada, tasquei um tapa na parede e saí engolindo meu grito para não acordar vizinhos. Sabe como é, morar em apartamento… Emputecida não me dei por vencida. Fui ao banheiro urinar minha frustração de ganhar mais um hematoma na palma da mão. Espero sinceramente que seja só hematoma e não uma luxação. Já basta o tornozelo esquerdo doendo da última queda livre no asfalto da semana retrasada. Dando descarga penso: Preciso me benzer!

Enfio-me debaixo das cobertas, apago a luz e finjo dormir novamente. Tenho certeza dos próximos passos do inimigo. Permaneço de tocaia.

Bzzzzzzzzz!!! – DA PUTA!

Pláft!! – Aiii! – estatelei a mesma mão no ouvido direito que me deixa temporariamente surda.

Bosta!Merda!Caraio! Quero dormir PORRA! Acendo as luzes e – feito ninja, acerto pra valer o inimigo da vez. A adrenalina toma conta do meu ser. Arregalo os olhos míopes e o que enxergo me deixa muito, mas muito satisfeita. Um borrão e fino filete carmim escorrendo pela minha linda parede água doce. Matei! Yes! Yes! YESSS!

Pulo no colchão festejando a vitória sobre o inimigo abatido até que escorrego no cobertor e caio de bunda no chão. Puta que o pariu! Lêlê!Lêlê!

Está decidido. Vou amanhã mesmo no centro espírita tomar um passe e pedir tratamento mediúnico. Devo estar com encosto dos bravos. Ai como dói!

Arrasto-me para a cama que já esfriou mas percebo o sangue – meu sangue, escorrendo pela parede. Não posso permitir que manche minha parede pintada recentemente. Saco! Preciso limpar isso. Levanto pisando duro e mancando por conta do tornozelo machucado e da bunda latejando. Molho um perfex e retorno limpando os restos mortais do pernilongo. Crime perfeito não deve deixar rastros. Isso me vem a mente ao lembrar de minha série favorita Dexter. Pela primeira vez desde que acordei, sorrio.

Andando pelos corredores da empresa, sem querer, encontro-me em pleno fumódromo. Uma forte neblina de fumaça fedida me envolve. Mal consigo reconhecer as pessoas por trás da fumaça. Chama os bombeiros! – recordo que sou da brigada de incêndio. Riso 2.

 – O que você Miss Certinha Pollyana da Silva faz aqui entre os pecadores da Torre dos Desajustados?

Respiro fundo, tusso um pouco e respondo:

– Preciso me perder para me encontrar. Não aguento de sono e desarranjo de vivência nesse tedioso serviço que prestamos diariamente. Arranja um cigarro? Preciso tragar.

Cética porém surpresa com meu discurso, Mariana pisca, abana a fumaça ao seu redor e, oferecendo um cigarro para mim diz:

– Bem vinda a Ordem dos Desajustados Assumidos e Suicidas Disfarçados. À propósito, você sabe tragar?

– Não. Mas nunca é tarde para aprender né?

– Não. Nunca. Assim como também nunca é tarde para se perder. Bem vinda! A vida não anda fácil né?

– Não. Nada fácil. Aliás, não faço ideia do significado dessa palavra. Nos olhamos em sinal de reconhecimento e empatia. Juntas, caímos num riso sincero e nervoso.

Até me esqueci do sono que me consumia.