A carta foi escrita com os espinhos que ninguém plantou

(Mariana Gouveia – As estações)

Janelas cerradas transforma o ambiente do escritório em uma câmara abafada. Somente a luz fraca de uma luminária sobre o papel de carta decorado, ainda em branco. Mãos nervosas se mexem, limpando um pó inexistente do tampo da mesa. Inquieta, se levanta, ajeita o excesso de tecido que forma a saia de seu vestido. Percorre a sala olhando para todos aqueles volumes de livros que compõe o ambiente mais querido de sua casa. Sua cela de luxo, refúgio das frustrações, das frases não ditas, dos olhares não mais trocados, dos silêncios gritantes.

Volta a sentar, se apruma mantendo a postura ereta . Com delicadeza que lhe é peculiar, pega a caneta tinteiro e tenta iniciar o texto tanto tempo ensaiado. Para no meio do caminho e uma dor fina se espalha por seu peito preso. Arfa por liberdade. Cada célula de seu corpo clama por ela. Não nasceu para ser dama da sociedade, representar o tempo inteiro uma falsa felicidade, imagem e reflexo da hipocrisia que todos vivem. Ela deseja mais que aquilo. A rotina doméstica, a solidão de uma dona de casa não lhe cabe.

Abaixa o olhar e percebe que a caneta vasou tinta por sobre o papel formando uma poça escura. Perfeita abertura representando o desconhecido. Sorri diante da ideia recém-nascida. Abandona a caneta e a sala. Horas depois, retorna. Cabelos soltos, calça comprida de seu marido, camisa solta que realça os seios libertos. Nós pés, um par de botas. Nas mãos, duas maletas pequenas que são temporariamente repousadas no chão enquanto rabisca apressada, no mesmo papel manchado a frase:

Prezados, cansei! Favor não me procurar pois não mais encontrarão quem um dia fui..

Esse texto faz parte da blogagem coletiva Blogvember. Participam comigo:

Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Suzana Martins

Imagem gratuita: Pexels

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