Capítulo I – Encontro inusitado

 

Entre livros dispostos em imensas prateleiras, complementado por mesas e cadeiras, dois pares de olhos se encontram. Ele, homem de seus 50 anos, grisalho, pele tostada pelo sol, aparência saudável de um esportista. Trajando camiseta verde oliva bem desbotada e uma calça de moletom bege, calçando um par de tênis de corrida, folheia um livro sobre poesia barroca.

Ela, mais jovem aparentando seus 40 anos, tez diáfana, veste um tailler cinza chumbo com uma blusa de algodão branca. Um par de brincos de pérolas escuras, um anel, par de sapatos salto agulha preto. Cabelos presos num coque bem tradicional . A típica figura de uma secretaria executiva, uma advogada ou uma bibliotecária.

Tem à sua frente, uma pilha de livros sobre história da Europa. Folheia Boemia literária e revolução, de Robert Darnton e faz diversas anotações.

Final de tarde e a biblioteca está em silêncio. Os poucos usuários já saíram e somente os dois permanecem. Esquecidos, absortos, cada um em seu universo de pesquisa. Tão envolvidos que até aquele momento não haviam se notado.

Mas, por algum motivo, seus olhos se erguem dos livros e se cruzam.

E nesse encontro, algo diferente aconteceu despertando em ambos uma inquietação, uma curiosidade anormal.

Ele olhando-a de cima a baixo, de  imediato, a classificou como “o tipo de mulher que não me atrai mesmo”.

No entanto seus olhos não desgrudam dos dela.

Ela por sua vez, após um exame minucioso, vendo seu traje esportivo e o tipo físico do homem pensou: “Que cara mais desleixado. Detesto homens que se vestem de qualquer jeito. Nem banho parece tomar”. Mas, passado mais alguns segundos, seus olhos ainda continuam analisando o outro.

Sentindo-se invadida por aquele olhar tão perscrutador, a mulher levanta, pega alguns livros e caminha para o carrinho de guarda. Enquanto deposita os livros respeitando a ordem de classificação de cada um deles, percebe pelo canto do olho que aquele homem ainda mantém os olhos nela. Isso é perturbador! Mesmo de costa ela sente o calor daqueles olhos! Sente que ele a desnuda pouco a pouco. E essa constatação mexe com ela.

Retorna para sua mesa, bem próximo de onde ele se encontra, escorrega numa caneta e quase cai. Se não fosse os braços fortes dele…

Momento perturbador para ambos. Aquela proximidade causa nos dois, algo muito estranho. A sensação de uma corrente elétrica percorrendo de um para outro  os deixa momentaneamente sem reação. Sem respiração. Ela é a primeira a sair desse estado, partindo para outro tão ou mais constrangedor que aquele: vergonha.

Por ter tropeçado e quase caído bem na frente dele, vergonha por ser justamente ele, a lhe socorrer, vergonha por ter sentido…, sentido…, Deus do Céu! Não tem outra explicação! Sentido tesão mesmo! E dos bravos!

Ela, em questão de segundos, constata que desde sua mocidade não sentia tamanho tesão pelo sexo oposto. Nem mesmo pelo seu ex-marido, no auge da paixão. Seu toque, seu cheiro, seu hálito quando perguntou tão próximo se tinha se machucado…seus olhos que penetraram fundo e sondaram todos os seus segredos.

Livra-se de tais pensamentos e também das mãos fortes ao redor de seu corpo. “Estou bem, obrigada” – Foi a resposta curta e seca que deu. Apressada, pega suas coisas e desaparece.

Voltando a se sentar, ele, que também se sentiu muito perturbado pela aproximação,  relembra tudo o que havia acontecido naquela sala de leitura.

E qual não foi sua surpresa ao notar que estava excitado. Nossa! Essa mulher me deu um tesão, um fogo! Que loucura!

Lembra-se que faz muito tempo que não sente nada parecido com isso. Na realidade, desde que divorciara pela segunda vez e de forma litigiosa, que não sentira mais nada por ninguém. Desde a separação traumática, ele decidira não mais se envolver com mulher nenhuma. São todas umas traíras, umas loucas, umas falsas.

Tô fora!

Há cerca de três anos, leva uma vida pacata, trabalhando, fazendo seu Cooper, nadando no clube, viajando com seus filhos e, quando, a vontade bate forte de sexo, contrata uma profissional. Quer coisa mais prática que isso? Sai satisfeito, tem seu gozo pleno e não precisa se preocupar com cobranças posteriores. Ah!Sim! Por que elas sempre vêem!

Ele não consegue entender por que sentiu isso logo com “aquela mulher” que nada tinha a ver com seu gosto particular. Detesto mulheres com esse ar de “Sou um ser superior”, “sou feminista, dona de meu nariz”, com aquele visual de “recalcada”. Aquilo lá deve ser um poço de frustração e recalque. Não deve ser comida há muito tempo. Se é que já foi comida alguma vez.

Por mais que esses pensamentos de reprovação e depreciativos se formem em sua cabeça, ele continua excitado e pensando nela. Desiste de sua pesquisa. Deixa os livros na mesa e vai embora.

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