Beda – Solo árido

Uma breve pausa para repousar. Era tudo o que desejava na vida. Desde que se entendia por gente, sua vida sempre foi a loucura de nunca fincar raízes. Cada hora mudando para cidade diferente, casa estranha, vizinhos desconhecidos. Tudo muito desgastante. Por que sua mãe não entendia isso? Nunca obteve uma resposta. Sua mãe sempre foi assim. Calada. Sisuda.

Mulher amarga, arisca, olhar seco e profundo. Árida feito o solo da região. Petrônio nunca soube o que fizera sua mãe se tornar assim. Conversavam pouco. Falavam apenas o necessário.

Aos quinze anos, Petrônio parecia bem mais velho. Herdou, talvez pela convivência, a sisudez característica de sua mãe. Raras vezes mostrava os dentes num riso.

Trabalhava no que aparecia, porém, o que mais gostava era de lidar com couro. Desde que, aos doze anos, conheceu seu Julião e ajudou o homem nos afazeres do curtume, tomou gosto. Adorava o cheiro do couro! O pouco de sonho que se permitia era de um dia trabalhar de vez num curtume. Se daria por satisfeito. Sonhar em ser dono de um era exagero e fora de sua dura realidade. Enquanto isso não acontecia, fazia biscates onde dava.

Durante as inúmeras mudanças que fez ao lado de sua mãe, Petrônio se encarregava de armazenar os parcos pertences. Jamais se aproximava do que era dela. Desde a mais tenra idade fora instruído a nunca tocar em seus objetos pessoais. Apesar da curiosidade de menino, não desobedeceu. Acatava cegamente suas ordens. Sabia que ela mantinha uma mala fechada. Guardava a chave, num cordão de couro entre seus mirrados seios. Não se separava dele por nada. O menino imaginava o que ela devia ter na mala…

Em sua minguada imaginação chegou a pensar que ela mantinha prisioneiro, a alma de seu suposto pai, que nunca conhecera.

Por vezes, brincando com ossos de gado ou outro animal encontrado pelo sertão, imaginava-se filho de Lampião ou de outro personagem do imaginário popular.

Nem se arriscava mais a repetir a infame pergunta: Mãe, quem é meu pai?

A única vez em que o fez, tomou uma surra de reio. Nunca se esqueceu do ódio estampado nos olhos de sua mãe enquanto vociferava que ele era cria do Tinhoso e, que se quisesse mesmo ser apresentado a ele, que repetisse a pergunta. Apanharia até a morte. Por dias e dias, Petrônio chorou em silêncio, sentindo dores horríveis no corpo e na alma. A dor na alma, era a que mais o fazia sofrer.

Plaft!

–        Aíí!!

–        Vai moleque! Deixe de sonhá acordado e vamo segui em frente. Tem muita terra pra gente engoli antes de chega na cidade mais próxima.

Olhando com desânimo para o horizonte — que tremulava diante do sol escaldante —, Petrônio limpou o suor que escorria pelo rosto tostado. Respirou fundo. Desolado, pegou suas tralhas, arrumou em seu lombo castigado. Lado a lado de sua mãe, seguiram.

Deixaram para trás um campo seco, para tentar uma nova/velha/conhecida vida, num novo solo árido.

Texto revisado e atualizado, faz parte do Projeto E.X.E.M.P.L.O.S contos: Recortes de vidas, 2014 pela Scenarium

Este texto faz parte da blogagem coletiva BEDA (Blog Every Day August). Estão comigo nessa deliciosa brincadeira séria:

Bob F. – Claudia Leonardi – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega –Suzana Martins

Foto gratuita: Pixels

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