Trabalhei por trinta anos, em instituições educacionais. Da filosofia construtivista, ao conceito tradicional, com pitadas de Reggio Emilia. Nessa convivência diária, pude contar nos dedos das mãos, as vezes em que um professor chegava à biblioteca, solicitando os livros de Paulo Freire. Com excessão, das professoras em formação, que precisavam dos livros para seus trabalhos de faculdade.
Enquanto os demais pedagogos tinham seus livros relançados em edição mais moderna e luxuosa, a coleção de Paulo Freire permanecia parada na estante, relegada ao esquecimento, tornando suas páginas amareladas pelo tempo.
Estudiosos como Maria Montessori, Vygotsky, Piaget, Emilia Ferrero, José Pacheco, Fernando Hérnandez e Monteserrat Ventura.
Os queridinhos do momento, com muitos seguidores em suas redes sociais: Mario Sergio Cortella, Viviane Mosé, Rosely Sayão, Leo Fraiman.
O Brasil presenteou com nomes que fizeram muito pela educação: Anísio Teixeira, Dermeval Saviani, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, a quase esquecida Maria Nilde Mascellani e, esse, do qual desejo falar um pouco e prestar minha humilde homenagem: Paulo Freire.
Nossa sociedade tem por (péssimo) hábito, desmerecer os frutos da própria terra. Só tem valor, o que vem de fora. Com Paulo Freire, não foi diferente, afinal, onde já se viu um pernambucano, que teve visões e estudos voltados para a educação e o social? Louco? Lunático? Sem noção? Comunista?
Foram tantos adjetivos que recebeu na sua terra natal. Em contrapartida, foi reconhecido e muito respeitado no exterior.
Recordo com pesar, da última feira do livro do colégio em que trabalhei, no qual o peso da indignação de um único pai, fez retirarmos toda a coleção de Paulo Freire em exposição. Parecia que havíamos exposto uma obra do diabo à olhos vistos. Tenho certeza que ele nunca leu nenhum de seus livros. Lamentável, afinal, uma instituição educacional ignorar a força e a verdade de um pedagogo brasileiro, sério em seus estudos e motivo de orgulho, aceitar que sua obra saisse pelas portas do fundo como se fosse um bandido, inimigo da sociedade. Vergonha alheia…
Nunca tivemos muito do que orgulhar no que diz respeito à política educacional brasileira. Atualmente então, é vergonha atrás de vergonha. E muita tristeza em constatar o quanto nossas crianças serão prejudicadas em sua formação. Isso se refletirá lá na frente, em suas vidas adultas.
Hoje, faço parte de todos que lembraram e tiraram um momento em suas vidas para enaltecer, reconhecer e desejar que tudo o que Paulo Freire deixou de legado na área educacional, seja um dia, implantado massivamente em todo território nacional. Poder reconhecer uma sociedade educada, alfabetizada e encaminhada para uma vida de muitas possibilidades, é um sonho do qual não abro mão.
Que esses 100 anos relembrando o grande educador, não se restrinja apenas ao calendário Google 2021 e algumas postagens e lives pontuadas.
Que possamos mergulhar de cabeça em sua obra, compreender suas propostas e colocar em prática, entendendo que “social” não é palavrão muito menos ideia pejorativa. Ao contrário, social é a seriedade em tratar as questões de uma sociedade em constante formação e, respeitá-la nas igualdades e diferenças.
Imagem: Instituto Paulo Freire