B.E.D.A. – Não estou só

Tenho recebido uma companhia constante. Até bem pouco tempo, só tinha ouvido falar dela, nunca fomos apresentadas. Chegou calada, observando a tudo. Aos poucos, foi tomando intimidades.

Noite passada, chegou e foi se esgueirando até conseguir moldar-se em meu travesseiro. Gostou! Dele – o travesseiro – e, de mim.

Atravessamos juntas a madrugada. Caladas. Dessa vez, não tive crise de pânico, nem falta de ar. Dialogamos no plano mental. Não carecíamos de voz. Falando em voz, ouço cada vez menos minhas notas vocais. Mudez total.

Quando dei por mim, um silêncio dolorido de belo nos envolveu. Extasiamos!

Foi ele, figura difícil de se fazer visitas em metrópoles como São Paulo. Chegou cortez, feito lord britânico do século XIX.

Após uma mesura, instalou-se ao nosso lado e permaneceu o resto da madrugada.

Recordei Mia Couto que li essa semana. Sorri diante da lembrança.

…”Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo silêncio é música em estado de gravidez…

…eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.”

Ficamos os três a capturar o vácuo que se instala quando sua presença se agiganta envolvendo a todos.

Pesco com meus ouvidos mal treinados, o som do motor da geladeira que – após gemer, parindo gelo no freezer -, adormece; Sussurros de uma conversa íntima dos vizinhos do 101 que dividem sua parede comigo.

O amor é belo!

Na rua, nem motor envenenado de motos ou carros; nem risadas escrachadas das profissionais do sexo, no intervalo de suas labutas; nenhum grito de socorro; nenhuma sirene passando, uivando a agonia de um doente.

A escuridão nos abraça até que as primeiras luzes surgem pela janela da cozinha anunciando mais um amanhecer.

Minha companheira, afofa o travesseiro que ainda mantém seu calor, me beija delicadamente e avisa:

Parto, mas volto. Enquanto isso, descanse.

O lord, sussurra em meu ouvido:

Também parto, mas volto. Não ligue para minha ausência, descanse.

De olhos semi cerrados, sorrio. Adormeço…

Participam dessa blogagem coletiva:

Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Obdulio Ortega

Imagem licenciada: Shutterstock

8 comentários sobre “B.E.D.A. – Não estou só

  1. E você não sabia se iria participar do BEDA, hein, Roseli? Ainda bem que sim, pois está nos brindando com um texto mais bonito que outro! A Pandemia tem sido frutífera em nos brindar com novas amizades ou antigas, que apenas surgiam de vez em quando…

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