Saí. Fugi do metro quadrado que me ilude fazendo crer que é seguro. Percorri ruas que há muito não via. Contabilizei inúmeros imóveis fechados, comércios que vibravam de movimentação, hoje, com suas portas cerradas e letreiros apagados.
Fui abusada. Sentei numa mesa na calçada e me permiti almoçar culinária japonesa. Um luxo em tempos pandemônicos.
Não contente, percorri a avenida mais icônica da cidade de São Paulo e – mais uma vez abusada, brindei a mim mesma com uma bela xícara de café que saboreei sem pressa, sentada numa confortável poltrona, apreciando a movimentação de máscaras anônimas a serpentear pela calçada.
Uma vez na rua, resgatei o prazer de caminhar sem roteiro, nem planejamento. Desci a Frei Caneca, desviando de pedintes, trabalhadores, jovens sarados percorrendo a rua numa caminhada forçada, bebericando seus isotônicos.
O clima ajudou fazendo surgir um sol que de tão claro, chegava a cegar os mais sensíveis. De mãos em riste protegendo os olhos, desci devagar, registrando sons de buzina, motor, vozes, britadeiras.
Registrei a vida seguindo em frente, desviando e dando uma banana para essa praga que assolou o mundo no ano de 2020.
Caminhei até chegar à Praça Roosevelt e me deixei misturar aos jovens de skate, bike, aos inúmeros casais ou aos que – solitários pelos cantos, puxavam fumo com suas máscaras abaixo do queixo, pouco se importando se estão colocando em risco suas vidas.
Quase chegando em meu endereço, decidi dar mais uma volta numa tentativa talvez inconsciente, protelando o retorno ao casulo. Percorri a Praça da República onde uma multidão mantém a normalidade de sempre na região.
Entrei numa quitanda e observando frutas e legumes frescos, não resisti e fiz uma pequena feira. Escolhi abobrinhas que reluzem num verde claro mesclado. Já antevejo a iguaria que farei com ela. Separei também um cacho de bananas nanica. Uma das frutas preferidas desde criança. Escolhi quatro laranjas Bahia importada. Lindas, enormes, caras. Contudo, mereço esse agrado. Quase finalizando minha pequena compra, eis que vejo uma bandeja com cachos de uva Vitória, sem sementes.
De posse de minhas sacolas, cheguei ao meu destino. Sufocada pela máscara já úmida, suando pois saí de casa pela manhã com casaco e blusa de gola rolê não imaginando que a temperatura chegaria aos 30 graus no meia da tarde.
Após um banho longo, um creme hidratante espalhado por todo o corpo que me proporcionou um gostoso relaxamento, desabei no sofá que já registrou meu formato e me envolve como se fosse abraço de vó.
Adormeci sentindo que ainda podemos ser felizes com muito pouco.
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