Semana passada, chegando a empresa onde trabalho, passei pelo refeitório para tomar um chocolate e comer um pãozinho integral. Reforço para minha manhã. Enquanto me alimentava, passei a prestar atenção à TV ligada. Estava sintonizada no programa da Ana Maria Braga. Geralmente nem presto atenção no entanto, a temática me prendeu e fiquei atenta ao que se discutia pois as conversas paralelas estavam num volume alto. A matéria discutida se passava na China e abordava a questão das mulheres que ficam solteiras por lá conhecidas como “sheng nu”, em outras palavras, “Mulheres que sobraram”. Ser mulher na China já é barra. Ser mulher e ficar solteira então, barra ao cubo.
Esse termo mexeu comigo, com meus brios de mulher, de ser humano. Afinal, aos cinquenta e três anos nunca casei e se morasse na China, com certeza seria um empecilho e motivo de vergonha alheia. Graças a Deus nasci em solo brasileiro. E mesmo com todos as falhas que nossa sociedade possui, com todas as dificuldades que enfrentamos por aqui, considero-me privilegiada.
Nasci numa família pobre. Passei muitas necessidades contudo, jamais passei fome. Só não tive mordomias, nem roupa de grife, muito menos brinquedos caros. Me esforcei, estudei. Trabalho desde os quatorze anos e me fiz na vida. Conquistei tudo o que sonhei até agora. Se ainda não tenho um carro – sonho de consumo da maioria – é porque nunca me interessei em dirigir.
Retomando a China e suas posturas ofensivas a mulher, em especial a mulher que aos vinte e sete anos, solteira, já é considerada uma “sobra”, fiquei mastigando meu pãozinho integral e ruminando pensamentos sobre a questão. Lembrei do livro que li há alguns anos, da jornalista Xinran “As boas mulheres da China” e do quanto fiquei tocada em conhecer a dura e, na maioria das vezes, triste realidade das mulheres chinesas.
Que felicidade ter nascido numa família onde meus pais deram mais importância aos estudos do que em nos preparar para o casamento. Nada contra. Fico feliz em ver mulheres encontrando seus parceiros de vida e constituindo família. Sempre senti em meu íntimo que jamais casaria. Jamais teria filhos. Apaixonei-me várias vezes, namorei bem poucas. Nunca senti que seria com “aquele”. Nunca acalentei o sonho de vestir um traje branco e adentrar uma igreja para sacramentar os ritos de um casamento.
Enquanto amigas e primas se preocupavam em ampliar seus baús de enxoval para núpcias, eu me preocupava em estudar, sonhava em entrar para a faculdade, planejava viajar. Enfim, sempre fui julgada como a “estranha” por ter pensamentos assim. Já ao término da matéria, acabando também meu pãozinho e meu chocolate quente, tive um insight bem legal sobre a questão:
Tenho mais é que me orgulhar de ser uma mulher “sheng nu”. Não sobrei no mercado.
Sou mulher sobra porque carrego no peito muito amor para dar aos outros. Amor para distribuir aos familiares, aos amigos, aos desconhecidos. E conheço muitas outras mulheres solteiras que também são assim como eu. Temos disponibilidade de se doar a quem deseja ou necessita. E isso meu caro leitor que me aguentou até agora, não é tarefa para qualquer um não. Tem de ser Mulher em letras garrafais.
Saí do refeitório sentindo-me melhor. Mas isso não me tira a preocupação constante de que em muitos lugares do planeta, mulheres são desrespeitadas diariamente e consideradas sobras nas famílias que são obrigadas a carregar esse fardo que não deu “certo”.
P.S.: O minidocumentário a respeito da condição das mulheres na China foi uma campanha criada pela marca de produtos de beleza SK-II. É um documentário muito tocante que vale a pena assistir. Está valendo por fazer as pessoas pararem e pensarem sobre essa questão ainda tão presente nos dias de hoje.
O endereço é esse: Marriage Market Takeover (Please turn on subtitle)
Imagem: Google