
Alguém aqui já teve a experiência de fazer hipnose? Eu já. Faz tempo. Em meados de 1983, estava em plena crise no trabalho. Era estressante, empresa sugadora de funcionários, pessoas medíocres, ambiente de muita disputa e nenhuma camaradagem. Lembro que estudava, fazia o antigo supletivo do ensino médio. Havia parado os estudos e retomado. Queria ganhar tempo e entrar logo para a universidade. Esta que vos fala, foi trabalhar numa locadora de automóveis sem nem saber dirigir um. Lembro que certa vez, me deram as chaves de um dos carros e disseram para colocá-lo na garagem. Lá fui eu, toda rebambita ligar o motor e dar partida em plena rua da Consolação em horário de rush. Quase causei uma tragédia!
Olhando para trás, até que tive momentos divertidos. Nem tudo foi espinho. No entanto, a pressão nas operadoras era muito grande e eu comecei a arriar os pneus. Meu rendimento escolar despencou, não dormia direito, me alimentava mal, passei a ficar irritadiça e mal humorada. Uma bela manhã surtei na empresa e me tranquei no banheiro. Não havia quem me tirasse de lá. Até que minha chefe chegou de viagem e foi conversar comigo. Ela era a única, entre todos, que tinha bom senso, já me conhecia de longa data – éramos vizinhas – e sabia como ninguém o tipo de cobras que existia naquele escritório. Conversamos longamente e ela me dispensou para que pensasse melhor e me acalmasse.
Saí de lá sem rumo. Não queria voltar pra casa pois seria outra chateação explicar tudo o que vinha acontecendo. Comecei a andar pela cidade e quando dei por mim, estava em pleno shopping Eldorado. Lá sentei e comecei a ler uma revista que tinha comprado. Passava os olhos distraidamente quando algo num artigo me chamou a atenção. Era sobre hipnose. Um dos profissionais que fora entrevistado era norte-americano e tinha uma clínica no bairro de Higienópolis. Liguei para lá e consegui marcar de imediato. Peguei um táxi e segui para o desconhecido sem nem pestanejar sobre minha atitude ser perigosa ou não.
O consultório, muito bem montado, de bom gosto tinha a recepcionista – que de pronto me atendeu e em poucos minutos, um senhor que lembrava muito Freud, abriu a porta e olhando-me perguntou:
– Roseli Pedroso? Por favorr, pode entrarr.
Entrei calada olhando tudo e ansiosa. Ele deu a volta por sua mesa e sentou olhando-me em silêncio por alguns segundos, depois disse:
– Menina, você estarr bem mal! Qual o problema?
Contei tudo o que estava passando em minha vida pois naquele momento, não era somente o emprego que me agoniava. Muitas outras questões familiares estavam tirando meu sossego.
Ele ouviu, pensou, depois explicou qual seu método de trabalho, que no caso, era a hipnose. Topei de imediato e naquela tarde mesmo iniciamos o tratamento.
Foram sessões bem interessantes e, um belo dia, ele olhou para mim e falou:
– Roseli, hoje darrei um presente para você. Vai viajarr para o lugar que mais ter vontade de conhecer e depois reviverrá o dia mais feliz de sua vida até agora. Aceita?
Iniciamos a sessão e em poucos minutos senti o calor do sol a banhar meu corpo. Protegendo os olhos da luz solar, percebi que me encontrava fora do consultório médico. Estava em uma praça repleta de cafés com mesinhas na calçada e uma movimentação de pessoas conversando alegremente. Fiquei um pouco confusa pois, ao mesmo tempo que não reconhecia onde me encontrava, tinha uma sensação forte de que conhecia tal lugar. Em pouco tempo percebi o que acontecia comigo. Através da hipnose, me transportei para Paris! Sim, ao me dar conta disso, agucei meus ouvidos e compreendi que a língua que falavam era o francês.
– Oh Mon Dieu! Je suis à Paris! Eh oui!! J’étais à Paris!Incroyable!
Comecei a sentir os aromas dos cafés, ouvia as conversas paralelas de turistas e nativos, as cores dos prédios, roupas, tudo estava ali, bem a minha frente de forma real. Não era um sonho. Caminhei alguns metros observando tudo. Era um verdadeiro sonho que se realizava pois sempre tive um fascínio por Paris.
De repente, do nada, o cenário mudou.
O calor do sol ainda era forte, as vozes também eram bem nítidas mas o idioma já era o português. Vozes agudas gritavam, cantavam e riam. Visualizei uma quadra onde dois times disputavam Handball. Caminhei e encontrei outras duas amigas da época do ginásio e seguimos para onde vinha um delicioso cheiro de café. Chegamos a uma cozinha industrial e nela, uma senhora passando um café no antigo suporte com coador de pano.
Ao nos ver ali a seu lado, em vez de dar a famosa bronca que já estávamos acostumadas a levar, ela sorriu e perguntou se queríamos tomar um pouco de seu café. Balançamos a cabeça afirmativamente e ela nos serviu numa caneca esmaltada. Ah!! Que delícia!
Tomávamos o café rindo de tudo e após agradecermos a doce senhora pela oferta, regressamos para as arquibancadas onde o jogo corria solto na quadra. Era nossa time que jogava contra o time de uma escola adversária da Vila das Mercês. Pulávamos todas juntas e gritávamos o hino de nossa escola com tanta alegria até que…
Breu. Silêncio. Apenas o tic-tac do relógio ao longe.
– Roseli! Roseli! Já estárr na hora de voltarr. Sei que está bom aí mas é preciso que retorne, por favorr.
Com muita dificuldade fui tomando consciência de que me encontrava no consultório do doutor Ross. Abri os olhos. Pisquei várias vezes até visualizar sua doce presença a me fitar com um quê de preocupação. Foi rápido e depois sorriu amavelmente perguntando:
– Estár bem? Pode falarr sobre suas experiências? Querr um pouco de água antes?
– Estou bem. Aliás, muito bem! Doutor, hoje me fez feliz duplamente. Estive em Paris! Sabe o que é isso? Paris? E depois, revivi um dia que não imaginava ser o mais feliz de minha vida…
Trinta e um anos me separa dessa experiência que foi pra lá de verídica. Não sei porque ela submergiu do passado. A lembrança desse homem fez uma diferença considerável em minha vida naquele período. Ele também ajudou no que pode quando minha irmã caçula ficou anorética.
A vida seguiu seu rumo, ele mudou o consultório. Perdemos contato. Talvez até já tenha morrido. Contudo, sua imagem ficou registrado com tintas fortes em minhas memórias.
Memórias essas que voltaram com uma força incrível por esses dias. Talvez porque a realidade esteja dura demais e a vontade de regressar para Paris se faça latente. Vontade de ter a felicidade genuína no presente.
Imagem: http://www.hipnosebrasil.com.br/