
Bem que tentei levar uma vida religiosa. Pouca fala, olhar baixo, andar pelos cantos, passar horas em contemplação.
Não criticar, não julgar, não blasfemar. Orar.
Oras bolas, desculpe minha total falta de iluminação. Se fazer só isso resolvesse todas as mazelas dessa vida terrena, a Índia seria o país mais civilizado, mais sereno, só se respiraria amor por lá. Miséria passaria bem longe.
Não é bem assim.
A vida não é essa simplicidade que os religiosos pregam. Nem eles mesmo seguem à risca!
Mas voltando a minha pessoa que é o que importa, por cerca de dez, doze anos, tentei ser fiel as lições de nosso irmão maior.
Acho que por um tempo até consegui… Me enganar e enganar aos outros.
Não sustentei a personagem “Boa Samaritana”. Quando a fantasia rasgou, chutei-a pra bem longe.
Saí do meu altar e fui pro mundo. Assim como Sidarta, também não conhecia a dor, a fome, o sofrimento. Somente através da literatura.
Ao ganhar o mundo, abri as portas de muitas mazelas. Algumas confesso aqui que me chocaram. Por outro lado também tenho de dizer que vi, vivi, conheci muita coisa boa que esse vasto mundão nos oferta diariamente. A começar pelas pessoas que conheci.
Para aqueles que deixei para trás, ensandeci. Não conseguem alcançar a ideia de que saindo da minha zona de conforto é que passei a realmente viver.
Já passei muita fome desde que ganhei o mundo. E foi justamente por essa precariedade, que passei a valorizar cada migalha de pão amanhecido que ganhei. Cada fruta passada que catei em finais de feira. Cada papelão que consegui para servir de cama.
Através da miséria, cheguei a conviver com a real solidariedade e não com aquela maquiada que me ensinaram. Tudo bem que nessas andanças me deparei bastante com o lado B da vida: falsidade, hipocrisia, vilania, egoísmo. Cruzei meu caminho com lobos em pele de cordeiro. Aliás, é o que mais se vê por aí. Falsos moralistas então, são como “marias sem vergonha”.
Procriam em toda parte do planeta.
Não passei esse tempo todo imaculada. Quando cai no mundo quis provar de um tudo. Feito criança diante de um pote de melado, caí de boca e me lambuzei inteira. Era preciso saber, experimentar até mesmo para saber diferenciar o certo do errado.
Não vim ao mundo para ser santa! Ansiava ser gente.
Amei intensamente alguns homens. Fui enganada por todos. Chorei, me descabelei, me vinguei. Até cair em mim que todo esse sofrimento era inútil afinal, fazia o jogo que me ofereciam. De início até que fui ingênua mas depois, safada que me tornei, acabei virando esse jogo. E, a partir daí, eu é que estipulava as regras. Fiz muito marmanjo chorar. Alguns em desespero, deram cabo de sua vida. Nem me importei.Fiz parte da matilha de gananciosos, estelionatários, políticos. Entrei no jogo foi para ganhar.
E ganhei. E muito! Mas também perdi. E muito!
Perdi a minha essência, a minha pureza, a minha beleza. Quando já me achava totalmente perdida, aos poucos fui recuperando aquilo que um dia tive: a alegria de viver, a simplicidade do cotidiano. Passei a apreciar o velho e bom feijão com arroz e esqueci por completo das iguarias refinadas.
Hoje, ainda na eterna ignorância humana, sou tachada de louca. De “Velha Louca”. Mas quer saber? Nem ligo.
Afinal, só eu sei os caminhos que percorri e o que consegui filtrar disso tudo. Aprendi que viver é exatamente isso: errar, experimentar, gostar, odiar, tentar novamente e finalmente acertar. Vida em contemplação, desculpem-me seus adeptos mas viver assim, é pura enganação. Não aos outros mas a si mesmo.